terça-feira, 5 de novembro de 2013

PETROBRAS – ANATOMIA DE UMA FARSA. O VOTO NULO



“Se a Petrobras é eficiente não precisa de monopólio; se não é eficiente, não o merece” (Humberto de Alencar Castelo Branco). 


Acompanhei, como todo o país, o anúncio grandiloquente feito pelo Governo e a direção da Petrobras sobre o início da exploração do pré-sal. Não sou especialista em números, em dados, em estatísticas, em projeções, em nada disso. Sou apenas um cidadão leigo que observei à distância o anúncio que vai tirar o Brasil da miséria e lançá-lo aos píncaros da glória, ao lado das grandes potências mundiais com o dinheiro do pré sal.

            O governo anunciou com pompa e circunstância que daqui a uns dez anos, quando o petróleo tiver jorrado no fundo do mar, serão destinados não sei quantos bilhões de reais para a educação do povo brasileiro, que nossa infraestrutura econômica vai ganhar um salto nunca visto, que nós vamos crescer e outros ufanismos do gênero. A verdade, e digo isso, repito, como mero cidadão que prefere falar das coisas palpáveis e fáceis de ser entendidas e questionadas, é que só um cego não consegue enxergar o embuste por trás desse discurso eleitoreiro do Governo. O leilão para a partilha do pré-sal pela análise de revistas isentas e autorizadas no assunto, como a The Economist, foi um fiasco, porque teve muito poucos interessados na sua exploração, aumentando assim a participação em dinheiro da Petrobras nesse investimento (entenda, dinheiro do Governo, via Tesouro e BNDES, para a Petrobras, dinheiro do contribuinte). Ou seja, não é um bilhete de loteria premiado.

            Mas, a pergunta que não foi feita pela imprensa e pelos entendidos, diante de todo esse oba-oba embusteiro, ou a informação que deveria ter sido dada pelo Governo ou Petrobras, sem necessidade de tal indagação, era: o preço da gasolina vai baixar para os consumidores brasileiros quando essa tal riqueza for extraída do fundo do mar? Esse silêncio é inexplicável e incompreensível, não só por parte da mídia, como dos políticos, principalmente daqueles que aspiram à presidência da república. Do Governo, por óbvio, não se poderia esperar outra coisa. Mas, por que esse silêncio? Se há uma coisa que o brasileiro médio poderia sustentar como justificativa para a existência da Petrobras é poder pagar um preço pela gasolina compatível com a pujança e riqueza que a nossa estatal do petróleo arrota mentirosamente.

            Mas não. O que se viu foi aquele discurso abstrato e enganador do Governo, falando em cifras e êxitos colossais para o nosso povo com a conquista do pré-sal. Como as coisas em tese só irão acontecer num futuro não muito perto, quem vai cobrar sua realização? Como aferir ganhos e conquistas na educação, algo tão abstrato como irreal neste país?

Agora, aquilo que o brasileiro sente no bolso no dia a dia, quando põe seu carro na rua para o trabalho, para levar o filho na escola, para fazer as compras, enfim, para tudo, isso nenhuma palavra sobre o preço escorchante da gasolina que pagamos e que já há anúncio à vista de aumento. Quando é que vai aparecer neste país um homem (pode ser mulher, também, antes que as feministas chiem) que tenha a coragem de denunciar que o monopólio e estatização da Petrobras não fazem mais o menor sentido? Mas, parece que tocar nesse assunto é um verdadeiro tabu, ainda que todas as evidências, notícias, dados, estatísticas e, principalmente, o bolso do brasileiro, demonstrem que a estatal brasileira que tem o monopólio da exploração do petróleo, é uma empresa deficitária e que só tem sobrevivido graças às maquiagens contábeis que o seu pessoal e o do Governo fazem para mostrar o que já não pode ser escondido.

            Antes de escrever este artigo liguei para um amigo nos Estados Unidos para me informar o preço da gasolina por lá. São $ 3,11 (três dólares e onze centavos) em media, o galão na Flórida, sendo que o preço convertido em litro dá pouco mais de 1 dólar, algo em torno de R$ 2,30, já que um galão corresponde a 3,8 litros. Em Brasília, como em boa parte do país, a gasolina custa R$ 2,99! E vem mais aumento! A Petrobras tem de explicar como é que os Estados Unidos importam quase 100% de seu petróleo de várias partes do mundo, mantêm aquartelado um exército de soldados em alguns desses lugares para garantir o seu suprimento – encarecendo seu custo - não põem etanol na gasolina e outras impurezas, e conseguem fornecer ao seu povo combustível mais em conta. Mas na hora em que esse tipo de questionamento é feito no Brasil – sem a devida contradita – os técnicos da Petrobras e do Governo vêm com aquela linguagem das cifras e dos números que só eles entendem para justificar o injustificável.

            A Petrobras, como estatal e detentora de monopólio, não faz mais o menor sentido, pois sem concorrentes e impondo a política de combustíveis ao país consegue a proeza de ser deficitária. O que me choca, no entanto, é o porquê do silêncio de pessoas que devem enxergar o mesmo que eu e muitos brasileiros enxergamos e não dizem absolutamente nada! Qual é o mistério de os candidatos à presidência da república pela oposição não quebrarem esse tabu da intocabilidade da Petrobras, numa atitude passiva e covarde ante o discurso farsesco e enganador de que “o petróleo é nosso”? Qual tem sido o benefício que o povo brasileiro tem obtido com a existência da Petrobras, que não seja o de ser assaltado há décadas pagando por preços de combustíveis escorchantes que não devolvem nada ao país?

            Será que esse tema não dá voto?


            O ex-presidente Castelo Branco, citado por Roberto Campos em seu livro A lanterna na popa, é que tinha razão na frase citada na epígrafe deste artigo. Castelo Branco talvez tenha morrido cedo demais para ver até onde chegou esse mito-monstro que sempre iludiu o nosso povo e nos devora. Nada de passeatas, de movimento de rua, de protestos populares; a classe política já passou o susto e percebeu que com esse tipo de reivindicação não chegamos a lugar nenhum. Só há um instrumento que pode mudar as coisas neste país e mostrar a eles e ao mundo uma resposta a tanta indecência e mediocridade: o voto nulo!

domingo, 20 de outubro de 2013

AONDE FOI PARAR O BRASIL?

                


“Só os homens de bem podem amar vigorosamente a liberdade; os demais amam não a liberdade, mas a licença, que sob os tiranos gozam de irrestrito alcance e inteira indulgência. Dos maus, os tiranos raras vezes esperam agressão ou mesmo suspeitam, sendo todos naturalmente servis” (John Milton).


Há quatro meses quando o Brasil foi tomado por movimentos populares exigindo mudanças no tecido institucional do país, não faltaram vozes “autorizadas” e “especializadas” para dizer que estávamos iniciando uma nova era, que estávamos vivendo uma revolução. O coro dos insatisfeitos e indignados denunciava as mazelas do país sedimentadas pela corrupção que carcomia o dia-a-dia dos brasileiros. E a lista das reivindicações populares tinha um espectro enorme – ia da insatisfação do aumento das passagens de ônibus (os tais 20 centavos) ao desperdício do dinheiro público, gasto, sobretudo, com a construção dos estádios de futebol para a copa do mundo. Sentindo, num primeiro momento, o baque das reivindicações o país (entenda, o Governo) “reagiu” suspendendo o aumento das passagens de ônibus e, na sequência, importando médicos cubanos para suprir a falência do serviço médico-hospitalar. Não faltou também pela voz autorizada dos “especialistas” o diagnóstico de que o Brasil estava vivendo uma revolução, e, todos aqueles que eram alvos das reivindicações populares, afirmando a justeza dessas postulações.

            Foi, em outras palavras, como se o dono de um imóvel alugado aceitasse de modo cordato as reclamações de seu inquilino pelo preço abusivo do aluguel que lhe é cobrado; ou como se o dono de uma banca de verduras aceitasse passivamente a acusação de seu cliente de que ele lhe estava roubando no preço. A resposta recorrente foi “o povo tem razão”. Ora, passados quatro meses o que ficou evidente é que além de demonstrar que o povo brasileiro é como relógio de corda, nada, absolutamente nada resultou da “voz das ruas”. Em 1.789, por ocasião da tomada da Bastilha pelo povo francês, um certo duque de Liancourt correu até Luiz XVI para avisá-lo da inssureição popular que estava ocorrendo e o rei lhe perguntou se se tratava de uma revolta, pelo que lhe foi respondido: Sire, não é uma revolta, é uma revolução”. O resto da história todos devem saber, mas quem quiser saber mais detalhes desse episódio deve ler A história da revolução francesa, do inglês Thomas Carlyle, e constatar que o caso brasileiro terá sido mera e farsesca coincidência.

            No Brasil, ao contrário do que anunciaram os nossos corifeus da ciência política – de modo ingênuo ou atendendo a interesses inconfessáveis do Governo – tudo não passou de uma revolta. E pior, uma revolta de caráter pontual, pois nada, absolutamente nada, aconteceu de bom no Brasil desde então. Mas, sem o esmalte do cinismo e o confete da hipocrisia, pode-se afirmar que não só nada mudou, como ficou pior. O caráter autoritário do Governo – entendido em todas as suas esferas legais – se acentuou e a prestação dos serviços públicos – uma das bandeiras da revolta – se não piorou, estacionou numa pasmaceira do Governo com seus arremedos de enganação. O programa “Mais Médicos” que o diga. Cheguei até mesmo a escrever um artigo nesse sentido para o meu blog, mas como não o publiquei, não me vale a invocação de pitonisa.

            Dois exemplos – de tantos outros - de autoritarismo estatal evidenciam como o Brasil não avançou absolutamente nada após as reivindicações populares (vamos chamar assim, ao invés de revolta ou revolução). A lei do “lixo zero”, posta em prática pelo governo municipal do Rio de Janeiro e o ressuscitamento da lei de segurança nacional, aplicada por alguns governos estaduais para enquadrar aqueles remanescentes que saem às ruas e que promovem atos de desordem pública, são prova disso. No primeiro caso, quem jogar o que quer que seja nas ruas do Rio de Janeiro, leva uma multa. Insurgindo-se contra a punição administrativa ou se recusando a dar sua identificação a pessoa é levada coerciva e compulsoriamente para uma delegacia de polícia. O que escandaliza não é o fato de a prefeitura do Rio criar uma lei punindo aqueles que sujam a cidade; o que escandaliza é alguém ser conduzido a uma delegacia de polícia sem ter cometido qualquer crime tal como deve ser entendido esse conceito, mesmo porque a tipificação de condutas tidas por crime só pode ser criada por lei federal. Há pouco mais de uma semana uma faxineira foi conduzida à delegacia de polícia por fiscais do “lixo zero” por ter cometido o “crime” de jogar um papel de bala na rua.

            O outro exemplo da veia autoritária do Governo é “reanimar” a lei de segurança nacional, pois ressuscitá-la, segundo disse um “especialista” em direito penal, é incorreto, já que ela nunca esteve morta ou deixou de existir. Sim, ela não esteve morta, mas pertence a um tempo em que o seu corpo não convive – ou deveria conviver – com o espírito do nosso tempo. Sob o pretexto de que as depredações de um bando de baderneiros (e sabe-se lá, a soldo de quem eles estão, quem advinha?), o Governo usa da sua força não para dispersar esses arruaceiros, mas para inibir quem quer que ponha a cabeça na rua para gritar contra os abusos do Estado. Essa receita é antiga e Montesquieu já a denunciava quando dizia que a pior das ditaduras é aquela que vem amparada pela bandeira da democracia e o suporte das leis formais.

            Na contramão dessas evidências – ou não seria de mãos dadas? – o país recrudesce econômica e culturalmente. Primeiro com o anúncio de que a Petrobrás caiu no ranking das grandes empresas do mundo em eficiência e lucratividade. Logo ela, um monopólio estatal que não tem concorrentes e que impõe os seus preços como bem quer ao povo brasileiro. Como é possível não se ter concorrentes, vender uma das gasolinas mais caras do mundo ao seu povo e, ainda, ser deficitária? Na pergunta, por óbvio, encontra-se a resposta a essa indagação.

Por outro lado, a Universidade de São Paulo, até então uma de nossas ilhas de excelência na educação perdeu sua posição entre as 200 universidades do planeta. E a explicação para essa queda, segundo o luminar da educação brasileira, o ministro da Educação, Aluísio Mercadante, se deu porque a USP excluiu da sua grade curricular o ensino do inglês. Isso seria cômico se não fosse trágico – ou se não fosse uma dessas muitas mentiras governamentais escamoteadas pelo duplipensar que George Orwell denunciou no discurso dos regimes totalitários. Ainda que essa afirmação não seja verdade, no entanto, ela revela e deixa a todos perplexos, saber como é possível retirar da grade curricular de uma prestigiosa universidade, como a USP, o ensino do inglês. Tal justificativa só pode ser por questões ideológico-partidárias, pois num mundo globalizado em que as transações comerciais mundiais se dão na língua inglesa e as grandes publicações acadêmicas e científicas são publicadas na língua de Shakespeare, é um retrocesso – para não dizer burrice, estupidez – a supressão do ensino do inglês.


A “presidenta” Dilma, como ela gosta que lhe chamem os seus lacaios e bajuladores, disse por ocasião da eleição do papa Francisco que sua santidade era argentino, mas que Deus era brasileiro. Não, “presidenta”, Deus eu não sei se é brasileiro, mas o Diabo, eu tenho certeza, como disse certa vez o escritor Antonio Callado. Aonde foi parar o Brasil? A lugar nenhum!

domingo, 16 de junho de 2013

COTIDIANO DA POLÍTICA BRASILEIRA

            

“O falso líder brasileiro, o falso líder é fácil de fazer-se. Ele se for das omissões se alista na famosa reserva moral que nunca se arrisca. Ele cumpre seu dever na voz passiva. Ele não erra simplesmente porque não age. Não se gasta somente porque não se engaja. Ele está sempre disponível para confirmar o que os outros já fizeram. É o estadista do óbvio, o que serve a todos os regimes com igual subserviência e invariável disponibilidade moral” (Carlos Lacerda)



Chico Anysio criou um personagem nos seus áureos tempos de comediante - Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro – que não ficou famoso como outros de seus personagens, mas que era tão bom quanto aqueles por ele criados, embora parte das pessoas não alcançasse onde ele queria chegar. Bento Carneiro era aquele vampiro ridículo, sem graça, que não assustava e nem metia medo em ninguém, daí porque Chico Anysio com sua genialidade tenha acrescido o “vampiro brasileiro” ao nome de Bento Carneiro para mostrar que vampiro que se preze tem que meter medo e o Brasil não é lugar de vampiro. Na verdade era uma crítica a certos comportamentos e costumes da sociedade brasileira e suas instituições que muitas vezes estavam na contramão da razão e do bom senso.

            Se Chico Anysio estivesse vivo, Bento Carneiro poderia encarnar a atual classe política brasileira, que embora possa meter medo no povo brasileiro, prima pelo ridículo e pela falta de ideias e comportamentos sensatos. Aqui neste país como se sabe o conceito de governo e oposição acabou, chegando a se confundir, como os porcos e os donos da fazenda na obra de George Orwell, A revolução dos Bichos, quando não se sabia quem efetivamente era homem ou suíno.

            Nessa disputa pela incompetência não se sabe quem é melhor, ou pior. Veja-se a atitude do hermafrodita político Guilherme Afif Domingos e seu partido PSD. Eleito vice-governador de São Paulo na chapa do PSDB, principal partido de oposição ao governo petista, Afif aceitou um cargo de ministro no governo Dilma. Questionado sobre se sua aceitação ao cargo num governo em que, em tese, ele faz oposição, não seria insólito ou contraditório, Afif e o PSD disseram não haver nenhum problema de compatibilidade ideológico-programático-partidário na sua atitude. Se aqueles que fizeram essa pergunta a Afif houvessem se lembrado da entrevista do dono do PSD, Kassab, quando da criação do partido, teriam se recordado de suas palavras, de que os pessedistas não são de direita, de esquerda ou de centro, muito pelo contrário... E não teriam indagado Afif.

            Por outro lado, o governo de São Paulo acaba de anunciar por seu governador Alckmin (o mesmo que há alguns meses, diante da escalada da criminalidade em São Paulo vitimando policiais, disse que “o Estado não vai se intimidar”), um dos ícones da mediocridade tucana, que os policiais paulistas vão receber um bônus em seus salários quando comprovarem que contribuíram para a redução da criminalidade em suas áreas de atuação. A receita que se parece mais com o sistema de recompensas do velho oeste americano, além de mostrar o despreparo da gerência governamental brasileira, indica o que deve acontecer com esse incentivo pecuniário aos policiais.

            No começo do século passado, a peste bubônica tomou conta do Rio de Janeiro. Osvaldo Cruz ao associá-la aos ratos estimulou uma campanha com a população do Rio para interromper a disseminação ou a diminuição desses roedores. Para cada rato capturado o governo pagaria certa importância em dinheiro. Com isso, agindo o povo na captura de ratos e ainda ganhando um dinheiro por isso o problema da peste bubônica estaria resolvido, certo? Errado. Descobriu-se que o povo estava criando rato em casa para vender para o governo, tornando-se uma fonte de renda. Adivinhem como os índices de criminalidade em São Paulo vão diminuir dando aos seus policiais um bônus em dinheiro por cada criminoso preso ou indiciado.

            Essa é a nossa oposição política, cheia de criatividade e gestão políticas.

            O governo por sua vez – se considerarmos governo, o federal – também não perde a pose em suas doses de mediocridade. A diplomacia do governo Dilma não tem competência e eficiência para libertar 12 torcedores presos num país de fundo de quintal, que é a Bolívia, agredindo os mais elementares princípios de direito penal e internacional. A segunda mulher mais poderosa do mundo, no entanto, não tem força e autoridade para enquadrar o índio Morales e exigir a soltura desses pobres brasileiros. Ah, se fosse com os norte-americanos fatos semelhantes como esse não ocorreriam (por muito menos os norte-americanos já teriam botado muito mexicano para correr). Mas se se falar algo assim, estar-se-á agindo como recruta dos EUA, em tempos de patrulhamento ideológico, pois devemos respeitar a soberania de nossos hermanos. Nessas horas não me sai da cabeça aquela máxima de Nelson Rodrigues de que o brasileiro tem complexo de vira-lata.

            Agora há pouco o governo, a sétima economia do planeta, anuncia que vai contratar 6.000 médicos cubanos para suprir as nossas carências médicas na periferia das grandes cidades e no interior do Brasil. Sem entrar na discussão se tais médicos estão ou não qualificados para exercer a medicina (eu duvido muito que um país como Cuba, isolado economicamente, possa preparar médicos de excelência), tal medida, na verdade, expõe a deficiência médica para quem arrota estar acabando com a pobreza. O Brasil potência, expressão que o petismo roubou dos militares com o seu recorrente sofisma e manipulação gramaticais, não tem competência para formar médicos no Brasil e prefere esconder o escandaloso quadro da saúde brasileira com medidas populistas que só mascaram a nossa pobre realidade, de hospitais caindo aos pedaços, déficit de médicos, pacientes morrendo na fila de hospitais, etc, etc, etc.

            Por último, o difundiu-se há pouco um boato de que o governo ia acabar com o “bolsa família” e ainda haveria um presente de dia das mães de R$ 200,00 da mamãe Dilma para as mães brasileiras. Resultado: correria às agências da Caixa em 12 estados brasileiros para sacar o dinheiro. O governo Dilma antes de qualquer questionamento já foi acusando a oposição (ou aquilo que chama de oposição) de ser a responsável pelo tal boato. Quem, no entanto, teria interesse numa notícia dessa e quem, senão o próprio governo, teria condições de mobilizar e potencializar um boato dessa embocadura, com os meios e recursos que ele dispõe? Na sequencia veio o discurso oficial de que a Polícia Federal já está investigando o caso. E sabe qual vai ser o resultado dessa investigação? Aquela mesma de quem procura o pote de ouro debaixo do arco-íris.

            Está faltando neste país governo e oposição. Uma mão que governe (não a mão do chicote) e uma voz que conteste (não a voz do embuste), elementos mínimos de uma democracia. Essa degenerescência moral se espalha no tecido social brasileiro inoculando seu vírus e matando pouco a pouco seu moribundo paciente, o povo brasileiro. Sim, talvez a profecia de Austregésilo de Athayde tenha se confirmado quando, há mais de meio século previu: “Por mais importante que seja abrir escolas primárias, não posso deixar que mais grave que não saber ler é, apenas sabendo ler, com esse escasso conhecimento conquistar diplomas profissionais e ascender aos postos superiores do Estado. Temo o triunfo dos analfabetos, que cada vez mais se acentua ameaçando o futuro do Brasil”.

            Parece que esse futuro chegou ao Brasil.


Obs.: quando este artigo foi escrito os torcedores corintianos na Bolívia não haviam sido soltos. Há uma semana sete deles foram postos em liberdade, mantendo-se a situação prisional nas mesmas condições em relação aos demais; do mesmo modo, Guilherme Afif Domingos sofre ameaça de impeachment na Assembleia Legislativa de São Paulo, mas já se sabe que lá ele tem maioria para manter seu cargo de vice-governador, em que pese ter sido exonerado temporariamente de seu cargo de ministro para assumir a governança de São Paulo na viagem de Alckimin ao exterior. E já voltou a ser ministro com a volta do governador!

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A DITADURA DA LIBERDADE





“Liberdade, igualdade, fraternidade ou morte” (Lema da Revolução Francesa após a derrubada da monarquia)


            Antes de morrer na guilhotina na Revolução Francesa, madame Roland disse uma frase que ficaria para a história e marcaria as contradições em torno de uma coisa tão cara ao homem, a liberdade. Disse ela antes de ser guilhotinada, quantos crimes estavam a se cometer em nome da liberdade. Passados mais de dois séculos da Revolução Francesa, a advertência de madame Roland permanece viva; mais do que isso, pois nunca a palavra liberdade foi usada com tanta vulgaridade e aplicada com tanta contradição como no Brasil. Liberdade política e econômica, neste país, em grande parte das vezes, não passa de retórica na boca de demagogos e na pena daqueles que efetivamente deveriam assegurar a sobrevivência daquilo que foi fruto da luta de muitas gerações de homens que defenderam o direito de o homem ser livre das tiranias.

            Se começarmos pela liberdade política, o número de presos em nossos presídios com mais de 500 mil encarcerados, nos colocando como a quarta população carcerária do mundo, e mais de 300 mil mandados de prisão por cumprir, dá a exata medida que há um descompasso entre aquilo que a Constituição brasileira erigiu como presunção de inocência e o direito de ser livre, de ter liberdade. O Brasil é um país, ao que parece, que quer sair de seu subdesenvolvimento socioeconômico construindo uma política de punição e mostrar ao mundo que aqui não há impunidade. Prender, prender, prender! Essa é a cartilha da liberdade. Prender, no entanto, por paradoxal que seja, na mente de certos reacionários que detêm uma parcela de poder, é sinônimo de cidadania, de liberdade dos outros!

            O Direito, antes uma ciência que impunha respeito aos seus profissionais, chegou em um nível de banalização que todo frequentador de botequim e apresentador de programas policiais de rádio e televisão se arvora e se transforma em analista e crítico de certos eventos criminosos de nosso cotidiano. Apontam o dedo, indicam o culpado, formulam a pena e bradam o grito da impunidade. Por sua vez, o Judiciário, cedendo ao apelo histérico de certos meios da mídia em determinados crimes de repercussão, comete violação a muitos princípios de Direito e de justiça que envergonham o mais mediano profissional dessa área, quando nega o direito à liberdade de alguns acusados.

            O caso da boate em Santa Maria/RS em que até o prefeito daquela cidade foi indiciado e acusado de responsabilização criminal pelas mortes lá ocorridas, denota bem como a liberdade está sendo tratada neste país. Dolo eventual, expressão antes restrita a meios acadêmicos e tribunais, é falada com autoridade na boca de muito boçal da nossa mídia, com uma intimidade de fazer inveja ao mais erudito jurista. E o que dizer do acidente no Rio de Janeiro ocorrido há poucos dias em que um ônibus caiu de um viaduto matando quase dez pessoas? Esse caso seria cômico se não fosse absurdo. O delegado do caso, sempre em nome da nossa liberdade, como dizem os espanhóis, pediu a prisão preventiva do motorista do ônibus e do estudante que o agrediu. Raciocínio do delegado para justificar a prisão preventiva: se o motorista tivesse parado no local onde o estudante pediu, este não teria se aborrecido e, não tendo se aborrecido, não teria agredido o motorista. Como o motorista não parou, o estudante o agrediu; o agredindo, essa foi a causa do ônibus cair do viaduto e matar as quase dez pessoas. Foi pedida a prisão preventiva do motorista e do estudante por homicídio doloso eventual!

            Custa crer como um mentecapto de um delegado como esse passou num concurso da polícia civil, desprezando os mais elementares princípios de Direito. Mas, mais assustador, é que não se viu nem dos juristas de plantão, nem dos jornalistas “entendidos” em Direito, qualquer crítica a tamanho disparate. Pela linha de raciocínio do delegado, se você sair de casa, discutir e brigar com uma pessoa, por exemplo, vindo a cometer e sofrer lesões corporais, isso ocorreu porque você saiu de casa; se você não saísse de casa isso jamais teria acontecido e o crime não teria ocorrido. A prevalecer tal entendimento, esticando o conceito do que chamamos em Direito de concausa, o funcionário de uma fábrica de arma vai ser responsabilizado pelo crime que venha ser cometido com ela, pelo simples fato de ter participado de sua fabricação.

            Este é o país que estamos vivendo. O país onde diz ser uma democracia, mas em que se é obrigado a votar sob pena de multa e uma série de outras penalidades; o país onde se cria agências reguladoras sob o pretexto de defender o consumidor e as relações de consumo (em verdade protegem os tubarões), mas onde em verdade elas interferem em tudo, no uso da água, na aviação, na prescrição dos remédios, nos transportes terrestres, no comércio, nas comunicações, enfim, em tudo. Diz-se ter liberdade econômica, mas se convive com alguns monopólios legais, como a Petrobrás, que vende a gasolina mais cara do mundo ao povo brasileiro ao mesmo tempo em que arrota ser uma empresa moderna e lucrativa, quando os números de suas planilhas denunciam outra coisa.

            Este é o país onde se diz haver liberdade de propriedade, mas onde o Estado não consegue assegurar esse direito, quando transige e chega a ser conivente com as invasões de terras; onde as repartições públicas Brasil afora são invadidas com a complacência do governo; onde supostas minorias injustiçadas são patrocinadas pelo governo para invadir recintos públicos e promover seus protestos; onde ministros da Suprema Corte e de tribunais superiores são nomeados com o mais descarado compromisso com os interesses do governo ou de alguns de seus membros (ou do partido que governa); onde um ministro da Suprema Corte suspende a tramitação de uma lei no Congresso (juridicamente sem qualquer eficácia prática) e este retalia anunciando que vai alterar a Constituição para restringir os poderes do Tribunal; é o país em que o ministro que dá essa decisão se reúne a portas fechadas com os presidentes das duas Casas do Congresso e acertam as suas arestas “institucionais”, dizendo que os Poderes se respeitam e se harmonizam, mas com a ausência do presidente do Poder Judiciário.

            Este é o país das crises inventadas e artificiais entre poderes da República que não duram mais do que poucos dias nas manchetes dos jornais.

            Que país é esse?, perguntaria Renato Russo. É o país em que vigora a ditadura da liberdade, onde liberdade tornou-se uma abstração. Esse receituário se assemelha àquele que foi implantado na Revolução francesa, quando após a derrubada da monarquia instaurou-se a República Una e Indivisível Francesa, trazendo a reboque o lema revolucionário “Liberdade, Igualdade e Fraternidade e Morte”. Isso mesmo, morte, como expressão da liberdade compulsória, imposta como manifestação do Estado! Ficaram para a história as três primeiras expressões, mas era assim que o Terror revolucionário levantava a bandeira da cidadania!

            Não se pode conceber liberdade em uma sociedade com tantas interferências do Estado no dia-a-dia das pessoas, onde a igualdade tornou-se se não um projeto de poder, ao menos uma obsessão inalcançável, onde a ideia de que a lei justifica todos os abusos é a que prevalece. Friedrich Hayek, na sua obra O caminho da servidão refuta esse raciocínio ao afirmar que “A ideia de que não há limites aos poderes do legislador é, em parte, fruto da soberania popular e do governo democrático. Ela tem sido fortalecida pela crença de que, enquanto todas as ações do Estado forem autorizadas pela legislação, o Estado de Direito será preservado. Mas isso equivale a interpretar de forma totalmente falsa o significado do Estado de Direito. Não tem este relação alguma com a questão da legalidade, no sentido jurídico de todas as ações do governo. Elas podem ser legais, sem no entanto se conformarem com o Estado de Direito”.

            Escrito na década de 40 essa obra, na vigência do Terceiro Reich, Hayek demonstra a lógica de sua tese afirmando que “É bem possível que Hitler tenha adquirido poderes ilimitados de forma rigorosamente constitucional e que todas as suas ações sejam, portanto, legais, no sentido jurídico. Mas quem concluiria, por essa razão, que o Estado de Direito ainda prevalece na Alemanha?”.

            Assim , a pretexto de se aplicar a lei e promover a igualdade e liberdade (só faltou a fraternidade), institui-se neste país a ditadura da liberdade, aquela parecida com a república dos Estados Unidos da Bruzundanga, de Lima Barreto, em que “Falavam em princípios republicanos e democráticos; enchiam a boca de tiradas empoladas sobre a soberania do povo; mas não havia nenhum deles que  não lançasse mão da fraude, da corrupção da violência, para impedir que essa soberania se manifestasse”.

            Parafraseando  Levi Strauss, pobres trópicos.

domingo, 14 de abril de 2013

O SERVILISMO INTELECTUAL





“Pois é, meu caro, você é tão canalha quanto eu” (Frase de Hendrik Höfgen, em Mefisto).

“Se algum dia viveres num país em que um só partido governa e esse partido, vertical e dogmático, finda num cume onde se instala um único homem, um único Führer, coloca na sala de tua casa um retrato desse Führer, grande e ineludível” (Frase de Dieter Müller, em A sombra de Heidegger).



            Duas obras de escritores distantes temporal e geograficamente denunciam com uma crueza implacável, a que ponto os homens, para alcançar o poder ou estar bem com ele, se prestam, por oportunismo, ao servilismo intelectual, emprestando, vendendo ou alugando suas ideias e inteligências. A primeira delas, uma obra-prima, Mefisto, do alemão Klaus Mann, filho do prêmio Nobel de literatura, Thomas Mann; a outra, A sombra de Heidegger, do argentino José Pablo Feinmann. Mefisto foi escrito na década de 30 quando Klaus Mann exilou-se da Alemanha por não aceitar a dominação nacional-socialista que se impôs com Hitler; A sombra de Heidegger foi escrita no começo deste século. Ambas as obras tratam da relação – e adesão - dos intelectuais com o poder, em especial com a Alemanha nazista, mas que remete essa realidade a qualquer época, regime ou governo.

            Comecemos pela segunda, A sombra de Heidegger. Martin Heidegger foi um filósofo e intelectual que antecedeu, viveu e sucedeu o Terceiro Reich. Na obra de Feinmann – onde se misturam personagens fictícios e reais, há uma crítica acerba a Heidegger por ter ele aderido com suas ideias ao regime de Hitler. Mais do que isso, por ter aderido e mesmo sabendo das atrocidades dos nazistas posteriormente, nunca ter feito um juízo de retratação ou uma declaração de erro ou arrependimento. A obra narra a trajetória de Heidegger com os nazistas através do diálogo epistolar de um de seus discípulos com seu filho. Dieter Müller conta ao filho numa carta antes de matar-se como foi possível um homem do talento e grandeza intelectuais de Heidegger ter se prestado a conduzir toda uma geração de homens cultos à tragédia nacional-socialista que se abateria sobre a Alemanha, inclusive ele, seu aluno, adepto e admirador.

            Feinmann usa a missiva que Dieter Müller faz ao filho Martin – nome dado em homenagem ao próprio Heidegger – a crítica na qual aponta até onde pode chegar a ambição humana e suas relações promíscuas com o poder. Escandaliza-se como pôde ele, Heidegger, ter contribuído e se omitido com as atrocidades perpetradas pelos nazistas, com o apoio voluntário ou involuntário de toda a sociedade alemã que se não batia palmas para os horrores cometidos por Hitler e seus facínoras, fez-se indiferente ou anuiu de modo tácito a essas atrocidades. E aí é que A sombra de Heidegger mete o dedo na ferida sobre a responsabilidade dos intelectuais e os homens cultos com certos regimes e governos que desprezam aquilo que há de mais sagrado para eles: a liberdade de expressão e pensamento, a preservação de valores éticos e morais.

            Na carta que o pupilo de Heidegger dirige ao filho, coberto pela vergonha e a infâmia de ter se prestado a seguir pela senda de seu “Mestre” Heidegger, há toda uma denúncia de como certos intelectuais não só mancham e conspurcam seus princípios, como ainda conduzem toda uma legião de seguidores para certas tragédias como aquela que foi protagonizada pelo Terceiro Reich. E pode ser mais assustador ainda na lógica nietzscheniana defendida por Heidegger, quando em nome da grandeza ariana dos nazistas, ele indaga e afirma pela obra de Feinmann: “O que é o bem? Tudo que leva no homem o sentimento de poder, a vontade de poder, a potência em si”; “Que os fracos e os fracassados pereçam! Eis aí o primeiro princípio de nosso amor aos homens. E que sejam ajudados a morrer”.

Feinmann não termina a crítica a Heidegger pela carta de Dieter Müller ao filho; conclui com a visita do filho a Heidegger, anos depois na Alemanha, com aquele cobrando deste o porquê de sua conduta condenável e imoral para com toda uma geração de alemães, quando impassível ele assistiu de modo indiferente a perseguição e matança de judeus e minorias indesejáveis da cartilha de Alfred Rosemberg, Goebells, Himmler, Goering, todos eles arquitetos do Terceiro Reich. Martin Heidegger, como se sabe, morreu em 1.976 e conseguiu, ainda que sob certos questionamentos, levar para o túmulo a aura de luminar da filosofia. No diálogo travado entre o Martin, filho de Dieter Muller, e o Martin filósofo, o Heidegger, entretanto, Feinmann o põe a nu quando aquele questiona este afirmando que “a filosofia, o pensamento, é às vezes tão insuportável que mata”.

E, sugerindo pelo romance que Heidegger se suicidasse por provocação do filho de seu discípulo, tal como este fizera para se redimir das vergonhas cometidas em nome da razão, e diante de sua recusa, Feinmann fulmina a reputação do reitor de Freiburg ao acusá-lo com a citação de outro expoente da filosofia alemã, Jürgen Habermas: “o que irrita é a repressão da própria culpa”.

Mefisto, também, trata-se de uma crítica velada de Klaus Mann aos intelectuais que vendem sua alma para alcançar a glória – numa referência e similitude da obra de Goethe - mas um romance inspirado em fatos reais. Os fatos se passam na Alemanha hitlerista dos anos 30 e tem como personagem central o ator Hendrik Höfgen que, em verdade trata-se de seu ex cunhado Gustaf Gründgens, “ator oficial da camarilha nazista e amigo de Klaus Mann até a partida deste para o exílio, em 1.933”, segundo o prefácio de José Erlon Paschoal à obra editada pela editora Estação Liberdade.

Mefisto é uma obra sublime, pois retrata com uma realidade impressionante como os homens vendem suas almas para alcançar a fama e o poder (embora no Brasil alguns de nossos homens públicos apenas a aluguem!). E em Höfgen, como ator, esse servilismo e oportunismo aos olhos de Klaus Mann parecem acentuados, quando ele afirma em certo trecho do romance que seu ex cunhado “mente sempre e não mente nunca. Sua falsidade é a sua autenticidade... Soa complicado, mas é bastante simples. Ele  acredita em tudo e não acredita em nada. É um ator” (a definição não se encaixa perfeitamente na nossa classe política brasileira?).

 Assim, como acontece em todas as revoluções e movimentos revolucionários, aqueles que não creem na sua ocorrência são os primeiros a aderi-los quando eles acontecem. Hendrik Höfgen, como dito, existiu na pessoa do cunhado de Mann e antes que os nazistas chegassem ao poder em 1.933, eram por ele objeto de troça e deboche. Höfgen, o ator comprometido com um Teatro Revolucionário e a causa do proletariado, no entanto, muda radicalmente quando Hitler chega ao poder e passa a ser um dos ícones do novo teatro nazista (qualquer semelhança com o Brasil de hoje terá sido mera coincidência?). A adesão do cunhado ao nazismo e o inconformismo ao ambiente hipócrita e oportunista em relação  aos novos donos  do poder na Alemanha dos anos 30, leva Klaus Mann a deixar o país.

Klaus Mann ao exilar-se da Alemanha e escrever sua obra em 1.936, serviu no exército norte-americano, lutando na Itália e norte da África. Com o fim do regime nazista, sua obra que se viu proibida de publicação na Alemanha nesse período, não pôde, todavia, ser publicada na Alemanha democratizada, chegando alguns historiadores a defender a tese de que ele teria se suicidado em 1.949 em razão desse fato. Recusada inicialmente por editoras de publicar sua obra – mesmo com o fim do nazismo - e depois por decisão da justiça alemã ocidental, no entanto, pela repercussão de suas denúncias passou a ser publicada em vários países.

Logo, o que choca em Mefisto não é tão somente a denúncia da submissão e ignomínia dos intelectuais aos novos mandatários do poder (que antes eles criticavam), mas, o fato de como foi possível a obra ter sido recusada à publicação mesmo com o fim do nazismo por editoras alemãs e posteriormente pela justiça daquele país, numa negação a toda uma tradição de um povo que cultuava a liberdade de expressão e pensamento. A batalha judicial que negou a Klaus Mann o direito de publicar a sua obra em seu próprio país se arrastou por vários anos, só vindo a ser liberada nos anos 80 na Alemanha (A obra foi publicada em 1.956 na Alemanha, mas foi suspensa pela justiça alemã por intervenção do filho de Gustaf Grüdgens).

É claro que essa recusa não obteve uma quase-unanimidade do povo alemão como ocorrera com o regime  nazista, não só no plano jurídico, como no plano literário. Um jurista de então, Fritz Bauer, ao comentar a negativa da justiça alemã em autorizar a publicação de Mefisto – por ação da família de Grüdgens que impedia nos Tribunais a publicação da obra - disse em 1.966: “A liberdade de imprensa, no caso de direito da pessoa não pode ser limitada pela exigência de um homem em ver fixada uma determinada imagem sua. Cada um de nós, portanto, oscila nessa história”, pois “não temos o direito à própria imagem quando se trata de uma pessoa contemporânea; todos os contemporâneos, seja hoje ou em épocas passadas, têm de aceitar ser considerados e avaliados com os olhos subjetivos”.

Como acontece com seu homônimo de Goethe, Hendrik Höfgen se enrodilha nas brumas do poder, quando Mann afirma em Mefisto que ele perdera toda a vergonha e pudor, pois “o sucesso, esta sublime e irrefutável justificativa de todas as infâmias” é o desejo de todo homem. Em Mefisto, Klaus Mann mostra como em nome da ambição desmedida pela fama e poder certos intelectuais renegam seus princípios, negam seus amigos, aderem seus inimigos e pactuam em nome desse compromisso sua alma com o Diabo, quando Hendrik Höfgen ouve de um ministro do Terceiro Reich, com o cinismo que lhe é próprio, que: “Não há dentro de todo alemão algo de Mefistófeles, algo de gozador e de malvado? Se não tivéssemos nada além de uma alma faustiana... o que seria de nós?”.

Como se vê, não somente os ignaros e a plebe rude são conduzidos pelo cajado do poder, a intelligentsia o faz, muitas vezes, como um cordeiro obediente e com as mesmas convicções.

sábado, 16 de março de 2013

AONDE CHEGARÁ A IGREJA CATÓLICA COM O PAPA FRANCISCO?




“A Cúria é um corpo de homens que não entrega absolutamente nada, uma máquina governamental que controla a Igreja Católica com mão de ferro” (David Yallop).

“Muitos sermões há que não são comédia, são farsa” (Padre Antonio Vieira)


            No dia 28 de setembro de 1.978 (na verdade ele foi encontrado morto no dia 29), após 33 dias de pontificado, morria Albino Luciani, o papa João Paulo I, segundo o Vaticano, de infarto do miocárdio quando dormia. João Paulo I que 33 dias antes de sua morte havia recebido quase 90% dos votos dos cardeais no conclave que o elegeu chefe da Igreja criada por Pedro, tinha como discurso e projeto o retorno do catolicismo às suas origens: desapego de bens materiais e uma proximidade com os mais pobres, estes, os eleitos de Cristo para a salvação.

            Sua morte até hoje é cercada daqueles mistérios que só o Vaticano sabe guardar, pois em que pese ter amanhecido morto quando gozava de boa saúde, a elite do Vaticano, contra todos os pedidos em contrário, se recusou em fazer uma autópsia em Albino Luciani para saber a causa de sua morte.

            João Paulo I mesmo antes de assumir o comando da Igreja Católica já tinha conhecimento de escândalos que, então, a envolviam: corrupção no Banco do Vaticano, tendo à frente seu presidente, o cardeal americano Paul Marcinkus, Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, e Lício Gelli, o chefão da P2, um ramo paralelo da maçonaria e secularmente a antítese dos católicos, dentre outros. Os podres no coração da Igreja tinham na disposição de João Paulo I um inimigo certo, pois Albino Luciani ao ter perto de 90% dos votos de seus pares recebera quase um cheque em branco para remover as fraudes e heresias que contaminavam o maior império religioso do ocidente.

            A eleição de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, no último dia 13 de março, tem muita semelhança à de Albino Luciani em 1.978. Tal como João Paulo I, venceu de modo expressivo contra todos os prognósticos, sobretudo, com o discurso do revisionismo da Igreja Católica e o afastamento do fausto e a aproximação com os desvalidos, estes, segundo ele, os dignos da proteção divina. O caminho de João Paulo I não teve continuidade, pois morreu precocemente após poucos dias de papado ou, segundo o jornalista e escritor inglês David Yallop, Albino Luciani foi assassinado por envenenamento porque ia contra os interesses de certos tubarões do Vaticano.

            David Yallop lançou em 1.984, após três anos de pesquisas e investigações, o livro Em nome de Deus (Ed. Record e disponível na íntegra na internet), onde narra com detalhes a trama que levou, segundo ele, ao envenenamento de João Paulo I pela máfia da Cúria do Vaticano que tinha como cabeça Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano (David Yallop diz em seu livro que obteve informações de gente do próprio Vaticano, assim como o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, recentemente, ao publicar livro sobre as cartas do Papa Bento XVI).

A cobertura dada à eleição do novo Papa com os atuais recursos tecnológicos da mídia, mostrou ao público mundial aquilo que muitos sabiam, mas que não têm uma noção mais exata da instituição mais antiga do mundo ocidental. As peculiaridades da Igreja Católica nas suas ações e nos seus dogmas não explicam à luz da lógica comum, como uma instituição fruto da criação humana chegou tão longe. O discurso da Igreja, que parece estar sempre na contramão da história – controle de natalidade, aborto, divórcio, celibato, proibição de uso de preservativos – por mais paradoxal que pareça, é umas das razões de sua longevidade. Disciplina, hierarquia, obediência e renúncia à sucessão hereditária, completam a receita da sobrevivência da Igreja nesses mais de dois mil anos, o que levou Bertrand Russel a dizer que “Há uma grande instituição que jamais teve qualquer elemento hereditário: a Igreja Católica. Podemos esperar que as ditaduras, se sobreviverem, desenvolvam, aos poucos, uma forma de governo análoga à da Igreja”.

Joachim Fest em sua biografia, “Hitler”, disse que o ditador nazista ao fincar as primeiras estacas do Terceiro Reich se espelhou na disciplina e hierarquia da Igreja Católica como receita para aquele deveria ser o império de mil anos.

O discurso da renúncia material - preceito cristão alimentado ao longo de milênios - em contraposição à pompa e circunstância que a Igreja ostenta,  no entanto, talvez seja um dos poucos pontos que põe em xeque os postulados espirituais que cercam o reino de Pedro e seus sucessores.

            E esse tem sido um ponto que tem dividido nos últimos anos a Igreja entre aqueles que a querem próxima dos pobres, retornando às suas origens, e aqueles que insistem no poder sacro imperial do Vaticano. A eleição de Francisco, o novo papa, restabelece um liame com João Paulo I, papado esse preenchido pelo hiato de João Paulo II e Bento XVI. Ambos, João Paulo I e Francisco, com uma clara noção de que a Igreja deve ser uma nave de condução espiritual de seus mais de 1 bilhão e 200 milhões de fiéis; ambos com a consciência de que a Igreja, por mais milenar que seja, está perdendo terreno para os enxames das pentecostais que, ainda que tragam no seu bojo uma prática mercantilista da fé, embalam o discurso da salvação da alma; ambos querendo que a Igreja faça da máxima de Cristo, “repartir o pão e o vinho igual para todos”, não um retórica, mas, uma prática.

            Mas a Igreja, se são verdadeiras as conclusões de Yallop em sua obra, é tão humana quanto qualquer outra instituição, com seus podres e suas virtudes. E nela sempre existiu uma queda de braço entre uma maioria dos cardeais que elegeu João Paulo I e Francisco e aquela minoria que domina os bastidores do Vaticano. Ontem Paul Marcinkus, hoje Tarciso Bertoni, este, segundo os vaticanólogos, o responsável pela renúncia de Bento de XVI que, sabendo da podridão que vai de corrupção financeira ao acobertamento de pedofilia praticada por padres em várias paróquias do mundo, não teve forças para enfrentá-lo.

            A eleição do Papa Francisco, nome escolhido em homenagem a São Francisco de Assis, o santo das renúncias materiais e amigo dos pobres, prometendo uma nova Igreja e novos rumos, tem uma semelhança incrível com o Papa João Paulo I. Os dois de origem humilde e com discurso da aproximação da Igreja aos mais pobres. Mas, aonde chegará a Igreja Católica com o Papa Francisco? Ler o livro Em nome de Deus, de David Yallop, parece nos transportar para um futuro previsível, quando ele diz – e assusta – que “A história do Vaticano é a história de incontáveis Papas ansiosos em fazer reformas, mas contidos e neutralizados pelo sistema. Se a Igreja em geral e a Cidade do Vaticano assim o querem, podem e conseguem influenciar e afetar drasticamente as decisões papais”. É a velha constatação de Maquiavel que nas relações de poder entre os homens, sempre prevalece a vontade da minoria articulada sobre a maioria.

            Eleito um jesuíta para comandar a maior igreja do ocidente, é de se esperar se ele vá promover as reformas que suas atitudes e discursos estão a indicar ou serão barradas por aqueles que resistem às mudanças que alcancem efetivamente o lado espiritual de 1 bilhão e 200 milhões de católicos? O Papa Francisco por certo tem mente o destino que teve João Paulo I e deve estar a meditar nas palavras de seu confrade jesuíta, o Padre Antonio Vieira, que em seu Sermão da Sexagésima” já alertava: “Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?”.

            As palavras do padre jesuíta português foram ditas não em 2.013, mas em 1.655, e nunca elas foram tão atuais.

            Se o Papa Francisco vai conseguir impor o que seu discurso está a desejar, ninguém sabe e só o tempo dirá, pois como disse o Padre Antonio Vieira, a diferença do falso para o verdadeiro profeta só se sabe quando a profecia se realiza.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

AS INTERNAÇÕES INVOLUNTÁRIAS DA CRACOLÂNDIA, LARANJA MECÂNICA, PELÁGIO E SANTO AGOSTINHO. CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO.


“O Deus transcendente, no imaginário católico, deixou de ser a potência ordenadora do caos universal de que falam os primeiros católicos do Gênesis, para adequar-se à medida do homem, fonte de verdade, bondade e justiça” (Eugenio Scalfari)



            Ultimamente temos assistido pela imprensa notícias dando conta de iniciativa da prefeitura do Rio de Janeiro para internar involuntária e compulsoriamente viciados em crack naquela cidade. À medida que num primeiro momento a ação estatal possa levar à aprovação das pessoas que querem o bem de seus semelhantes, ao mesmo tempo essa aprovação merece maior reflexão. Quem em sã consciência pode concordar com espetáculo tão degradante quanto o de se ver seres humanos consumindo drogas a céu aberto, sem qualquer perspectiva de vida ou futuro? Essa é a armadilha para um juízo mais apressado.

            A medida tomada pelo poder público nesse caso tem mais o caráter estético-profilático-midiático - para não dizer demagógico - do que propriamente o resgate da dignidade daquelas pessoas. O número de internações de viciados, 14, salvo engano, se não se afigura ridículo, evidencia a ineficácia da medida e a violência do Estado em dar solução a problemas de modo pontual. Em outras palavras, o poder público não quer resgatar pessoas, gente, seres humanos, mesmo porque ele não diz o que será feito com essas pessoas depois da internação; quer, sim, limpar a imagem estética de uma cidade que é cartão postal do mundo e que não pode assistir a espetáculo de degradação moral que avilta uma mente civilizada. Já se disse, ainda que de modo equivocado, as imagens chocam e falam por si.

            Dito isto, vem a indagação: até que ponto é dado ao Estado o direito de interferir na vida das pessoas a título de protegê-las, impedindo que cometam aquilo que julga ser um mal ou que ajam em desconformidade com os padrões de conduta impostos? Existe uma fronteira ética e moral, intransponível, entre o direito de o Estado punir pela ação errada do homem e a sua punição antecipada pelo impedimento de sua conduta. Essa questão não envolve somente um aspecto de ordem jurídico-médico-legal, mas e, sobretudo, de ordem ética e moral, pois interfere diretamente no livre arbítrio do ser humano. Esse tema já foi – e tem sido - objeto de discussão filosófico-religiosa entre dois personagens da Igreja Católica, Pelágio e Santo Agostinho, com reflexos no pensamento ocidental até os dias de hoje.  Foi trazido à luz de nossos tempos na imortal obra de Anthony Burgess no seu romance Laranja Mecânica e levado ao cinema pelas mãos de Stanley Kubrick.

            Para quem não leu o livro ou viu o filme Laranja Mecânica, eis aqui uma síntese do enredo desenvolvido pelo escritor inglês na sua obra e que guarda uma correlação com a internação involuntária dos viciados da Cracolândia carioca. Numa Londres situada em um tempo em que as relações humanas vão se tornando mais e mais impessoais (a escolha da cidade é meramente casuística, pois retrata a realidade da vida moderna nas grandes metrópoles ao redor do mundo) e o desprezo pelos valores éticos e morais acentuado, Burgess levanta um questionamento se o Estado tem direito de intervir nas ações humanas para impedir que o homem cometa maldades ou aquilo que é considerado mal. O personagem principal da obra é Alex, adolescente que vive na periferia de Londres (um punk londrino ou o nosso punk da periferia da música de Gilberto Gil), filho de pais operários pobres, e que durante o dia leva uma vida ociosa e a noite age com sua gangue a cometer toda sorte de crimes e violência. Alex, portanto, é o retrato da juventude excluída das sociedades modernas que Burgess previu – e parece ter acertado boa parte de sua premonição –: uma sociedade muita tecnológica, muito consumista, muito materialista, muito desumana e desprovida de valores éticos e morais.

            Preocupados com esse fenômeno socioeconômico, os cientistas ingleses desenvolvem um invento que tem por finalidade reprimir a conduta humana quando impulsionada a cometer crimes ou uma atitude que o Estado considere aética ou imoral. O Estado desenvolve e lança mão da “Técnica Ludovico”, uma referência à música de Ludwig Beethoven que será usada nos experimentos em Alex. Alex, então, é preso e submetido como cobaia a uma experiência do Estado no seu projeto de redimir a humanidade de seus erros, crimes e pecados. E a lógica do Estado para seu projeto de redenção da humanidade está estampada nas palavras do primeiro-ministro do governo que está levando adiante a “Técnica Ludovico”: “O governo não pode se preocupar com teorias penológicas datadas. Empilhe os criminosos juntos e veja o que acontece: você obtém criminalidade concentrada, crime no meio do castigo. Daqui a pouco vamos precisar de todo o espaço penitenciário que temos para agressores políticos”.

            O resultado das experiências científicas feitas em Alex é, como diz Burgess no seu romance, retirar do indivíduo qualquer direito enquanto homem a uma escolha moral. Toda vez que ele quiser agir contra os ditames do Estado, Alex será contido por sensações de náuseas e mal-estar físico. E, na advertência contra essa violência, a resposta do Estado é eminentemente utilitarista: “Não estamos preocupados com o motivo, com uma ética superior. Estamos preocupados apenas em reduzir o crime”.

            Burgess ainda que fosse um agnóstico, estabelece uma negação a essa lógica na figura do capelão do presídio onde se encontra Alex, quando aquele diz: “O que Deus quer? Será que Deus quer insensibilidade ou a escolha da bondade? Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor do que o homem que teve o bem imposto a si?”. Vitor Hugo faz o mesmo em Os Miseráveis, dando a Jean Valjean a proteção de um padre numa França pouco sensível aos postulados da Igreja.  Essas duas posições, assim, antagônicas, é que vão estabelecer o enredo e o epílogo da obra de Burgess, transferindo para o leitor a opção por uma delas, mas ficando claramente explícita a opção do autor de Laranja Mecânica pela do capelão do presídio.

            Ao defender seu ponto de vista de que o Estado não pode interferir de modo artificial na vida das pessoas a fim de corrigi-las, Burgess denuncia nessa atitude um comportamento totalitário, bem ao sabor de regimes e governos que querem tutelar seres humanos ao alvedrio de suas conveniências e interesses. Vê-se em sua posição uma questão transcendental, de ordem moral e ética, que se sobrepõe aos simulacros estatais na busca de conceber uma sociedade eugênica do ponto de vista comportamental. O ponto central, portanto, da sua obra é o livre-arbítrio que envolve não somente o aspecto de ordem moral, mas também de ordem religiosa. Numa entrevista dada a propósito de sua obra nos anos 1970, Anthony Burgess reafirmou sua posição, numa referência ao escritor russo Eugene Zamyatin, dissidente do stalinismo, dizendo que ”Adão não desejava ser feliz: ele queria ser ‘livre’, desejava o livre-arbítrio, isto é o direito de poder optar entre duas linhas de conduta, entre duas maneiras de agir sobre as quais soubesse fazer um julgamento moral”.

            Esse tem sido o grande dilema da humanidade: até quando o homem pode agir à luz da sua vontade? Aí entra o grande debate que se deu no âmbito da Igreja Católica entre Pelágio e Santo Agostinho e tem reflexos éticos, morais e filosóficos até os dias de hoje. Pelágio, defensor do livre-arbítrio, sustentava que o homem nascia livre de toda e qualquer amarra, sendo liberto para fazer as suas opções nas ações que iria tomar, um contraponto, portanto, na posição tomada pelo bispo de Hipona, Santo Agostinho, que defendia que o homem nascia com o pecado original, devendo assim rezar e pedir a Deus por sua salvação eterna.

            A posição de Santo Agostinho, oficializada pela Igreja, num primeiro momento é mais confortadora à alma humana, pois parte da premissa que tendo o homem nascido com o pecado original não seria completamente responsável por seus atos. A sutileza agostiniana na defesa de sua tese, no entanto, não é que o homem não seja responsável por seus atos, mas apenas que não é totalmente por eles responsável. É nessa parte da responsabilidade do homem que Deus agiria oportunizando-lhe o arrependimento por seus atos errados e lhe concederia o seu perdão. Em outras palavras, ao homem não é dado pelos seus próprios atos abster-se do pecado, pois somente com a graça divina ele pode tornar-se virtuoso. Essa posição, como dito, foi sufragada pela Igreja, pois esta entende que o homem é um ser frágil neste mundo de tormentas e tentações e, por isso, mesmo com a liberdade relativa de agir que lhe foi conferida, quando ele errar, tem contar com a intervenção divina na sua proteção.

            Depois de uma longa batalha filosófico-religiosa entre Santo Agostinho e Pelágio, prevaleceu a posição do primeiro na França, no Concílio de Orange em 529 da nossa era. E embora Santo Agostinho tenha imposto ao seu rival uma derrota de sua tese, a verdade é que o pensamento de Pelágio perdurou em boa parte do pensamento filosófico e religioso do ocidente, alcançando se não sua maior expressão na obra de Anthony Burgess, ao menos uma expressividade que o torna passível de discussões e interpretações.

            Concluindo: em Laranja Mecânica Alex depois do tratamento pela “Técnica Ludovico” tenta o suicídio, suicídio esse testemunhado pelos que leram ou viram o filme. As tragédias da Cracolândia carioca pós-internação involuntária não terão testemunhas, pois “a dor da gente não sai no jornal”, como diz uma música de Chico Buarque. Ao homem, pergunta-se, deve ser dada liberdade para agir e responder por suas consequências ou optar por uma liberdade tutelada?