sábado, 16 de março de 2013

AONDE CHEGARÁ A IGREJA CATÓLICA COM O PAPA FRANCISCO?




“A Cúria é um corpo de homens que não entrega absolutamente nada, uma máquina governamental que controla a Igreja Católica com mão de ferro” (David Yallop).

“Muitos sermões há que não são comédia, são farsa” (Padre Antonio Vieira)


            No dia 28 de setembro de 1.978 (na verdade ele foi encontrado morto no dia 29), após 33 dias de pontificado, morria Albino Luciani, o papa João Paulo I, segundo o Vaticano, de infarto do miocárdio quando dormia. João Paulo I que 33 dias antes de sua morte havia recebido quase 90% dos votos dos cardeais no conclave que o elegeu chefe da Igreja criada por Pedro, tinha como discurso e projeto o retorno do catolicismo às suas origens: desapego de bens materiais e uma proximidade com os mais pobres, estes, os eleitos de Cristo para a salvação.

            Sua morte até hoje é cercada daqueles mistérios que só o Vaticano sabe guardar, pois em que pese ter amanhecido morto quando gozava de boa saúde, a elite do Vaticano, contra todos os pedidos em contrário, se recusou em fazer uma autópsia em Albino Luciani para saber a causa de sua morte.

            João Paulo I mesmo antes de assumir o comando da Igreja Católica já tinha conhecimento de escândalos que, então, a envolviam: corrupção no Banco do Vaticano, tendo à frente seu presidente, o cardeal americano Paul Marcinkus, Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, e Lício Gelli, o chefão da P2, um ramo paralelo da maçonaria e secularmente a antítese dos católicos, dentre outros. Os podres no coração da Igreja tinham na disposição de João Paulo I um inimigo certo, pois Albino Luciani ao ter perto de 90% dos votos de seus pares recebera quase um cheque em branco para remover as fraudes e heresias que contaminavam o maior império religioso do ocidente.

            A eleição de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, no último dia 13 de março, tem muita semelhança à de Albino Luciani em 1.978. Tal como João Paulo I, venceu de modo expressivo contra todos os prognósticos, sobretudo, com o discurso do revisionismo da Igreja Católica e o afastamento do fausto e a aproximação com os desvalidos, estes, segundo ele, os dignos da proteção divina. O caminho de João Paulo I não teve continuidade, pois morreu precocemente após poucos dias de papado ou, segundo o jornalista e escritor inglês David Yallop, Albino Luciani foi assassinado por envenenamento porque ia contra os interesses de certos tubarões do Vaticano.

            David Yallop lançou em 1.984, após três anos de pesquisas e investigações, o livro Em nome de Deus (Ed. Record e disponível na íntegra na internet), onde narra com detalhes a trama que levou, segundo ele, ao envenenamento de João Paulo I pela máfia da Cúria do Vaticano que tinha como cabeça Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano (David Yallop diz em seu livro que obteve informações de gente do próprio Vaticano, assim como o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, recentemente, ao publicar livro sobre as cartas do Papa Bento XVI).

A cobertura dada à eleição do novo Papa com os atuais recursos tecnológicos da mídia, mostrou ao público mundial aquilo que muitos sabiam, mas que não têm uma noção mais exata da instituição mais antiga do mundo ocidental. As peculiaridades da Igreja Católica nas suas ações e nos seus dogmas não explicam à luz da lógica comum, como uma instituição fruto da criação humana chegou tão longe. O discurso da Igreja, que parece estar sempre na contramão da história – controle de natalidade, aborto, divórcio, celibato, proibição de uso de preservativos – por mais paradoxal que pareça, é umas das razões de sua longevidade. Disciplina, hierarquia, obediência e renúncia à sucessão hereditária, completam a receita da sobrevivência da Igreja nesses mais de dois mil anos, o que levou Bertrand Russel a dizer que “Há uma grande instituição que jamais teve qualquer elemento hereditário: a Igreja Católica. Podemos esperar que as ditaduras, se sobreviverem, desenvolvam, aos poucos, uma forma de governo análoga à da Igreja”.

Joachim Fest em sua biografia, “Hitler”, disse que o ditador nazista ao fincar as primeiras estacas do Terceiro Reich se espelhou na disciplina e hierarquia da Igreja Católica como receita para aquele deveria ser o império de mil anos.

O discurso da renúncia material - preceito cristão alimentado ao longo de milênios - em contraposição à pompa e circunstância que a Igreja ostenta,  no entanto, talvez seja um dos poucos pontos que põe em xeque os postulados espirituais que cercam o reino de Pedro e seus sucessores.

            E esse tem sido um ponto que tem dividido nos últimos anos a Igreja entre aqueles que a querem próxima dos pobres, retornando às suas origens, e aqueles que insistem no poder sacro imperial do Vaticano. A eleição de Francisco, o novo papa, restabelece um liame com João Paulo I, papado esse preenchido pelo hiato de João Paulo II e Bento XVI. Ambos, João Paulo I e Francisco, com uma clara noção de que a Igreja deve ser uma nave de condução espiritual de seus mais de 1 bilhão e 200 milhões de fiéis; ambos com a consciência de que a Igreja, por mais milenar que seja, está perdendo terreno para os enxames das pentecostais que, ainda que tragam no seu bojo uma prática mercantilista da fé, embalam o discurso da salvação da alma; ambos querendo que a Igreja faça da máxima de Cristo, “repartir o pão e o vinho igual para todos”, não um retórica, mas, uma prática.

            Mas a Igreja, se são verdadeiras as conclusões de Yallop em sua obra, é tão humana quanto qualquer outra instituição, com seus podres e suas virtudes. E nela sempre existiu uma queda de braço entre uma maioria dos cardeais que elegeu João Paulo I e Francisco e aquela minoria que domina os bastidores do Vaticano. Ontem Paul Marcinkus, hoje Tarciso Bertoni, este, segundo os vaticanólogos, o responsável pela renúncia de Bento de XVI que, sabendo da podridão que vai de corrupção financeira ao acobertamento de pedofilia praticada por padres em várias paróquias do mundo, não teve forças para enfrentá-lo.

            A eleição do Papa Francisco, nome escolhido em homenagem a São Francisco de Assis, o santo das renúncias materiais e amigo dos pobres, prometendo uma nova Igreja e novos rumos, tem uma semelhança incrível com o Papa João Paulo I. Os dois de origem humilde e com discurso da aproximação da Igreja aos mais pobres. Mas, aonde chegará a Igreja Católica com o Papa Francisco? Ler o livro Em nome de Deus, de David Yallop, parece nos transportar para um futuro previsível, quando ele diz – e assusta – que “A história do Vaticano é a história de incontáveis Papas ansiosos em fazer reformas, mas contidos e neutralizados pelo sistema. Se a Igreja em geral e a Cidade do Vaticano assim o querem, podem e conseguem influenciar e afetar drasticamente as decisões papais”. É a velha constatação de Maquiavel que nas relações de poder entre os homens, sempre prevalece a vontade da minoria articulada sobre a maioria.

            Eleito um jesuíta para comandar a maior igreja do ocidente, é de se esperar se ele vá promover as reformas que suas atitudes e discursos estão a indicar ou serão barradas por aqueles que resistem às mudanças que alcancem efetivamente o lado espiritual de 1 bilhão e 200 milhões de católicos? O Papa Francisco por certo tem mente o destino que teve João Paulo I e deve estar a meditar nas palavras de seu confrade jesuíta, o Padre Antonio Vieira, que em seu Sermão da Sexagésima” já alertava: “Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?”.

            As palavras do padre jesuíta português foram ditas não em 2.013, mas em 1.655, e nunca elas foram tão atuais.

            Se o Papa Francisco vai conseguir impor o que seu discurso está a desejar, ninguém sabe e só o tempo dirá, pois como disse o Padre Antonio Vieira, a diferença do falso para o verdadeiro profeta só se sabe quando a profecia se realiza.

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