“A Cúria é um corpo de homens
que não entrega absolutamente nada, uma máquina governamental que controla a
Igreja Católica com mão de ferro” (David Yallop).
“Muitos sermões há que não são
comédia, são farsa” (Padre
Antonio Vieira)
No dia 28 de setembro de 1.978 (na verdade ele foi encontrado morto
no dia 29), após 33 dias de pontificado, morria Albino Luciani, o papa João
Paulo I, segundo o Vaticano, de infarto do miocárdio quando dormia. João Paulo
I que 33 dias antes de sua morte havia recebido quase 90% dos votos dos
cardeais no conclave que o elegeu chefe da Igreja criada por Pedro, tinha como
discurso e projeto o retorno do catolicismo às suas origens: desapego de bens
materiais e uma proximidade com os mais pobres, estes, os eleitos de Cristo para
a salvação.
Sua morte até hoje é cercada daqueles
mistérios que só o Vaticano sabe guardar, pois em que pese ter amanhecido morto
quando gozava de boa saúde, a elite do Vaticano, contra todos os pedidos em
contrário, se recusou em fazer uma autópsia em Albino Luciani para saber a
causa de sua morte.
João Paulo I mesmo antes de assumir
o comando da Igreja Católica já tinha conhecimento de escândalos que, então, a envolviam:
corrupção no Banco do Vaticano, tendo à frente seu presidente, o cardeal
americano Paul Marcinkus, Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, e
Lício Gelli, o chefão da P2, um ramo paralelo da maçonaria e secularmente a
antítese dos católicos, dentre outros. Os podres no coração da Igreja tinham na
disposição de João Paulo I um inimigo certo, pois Albino Luciani ao ter perto
de 90% dos votos de seus pares recebera quase um cheque em branco para remover
as fraudes e heresias que contaminavam o maior império religioso do ocidente.
A eleição de Jorge Mario Bergoglio,
o Papa Francisco, no último dia 13 de março, tem muita semelhança à de Albino
Luciani em 1.978. Tal como João Paulo I, venceu de modo expressivo contra todos
os prognósticos, sobretudo, com o discurso do revisionismo da Igreja Católica e
o afastamento do fausto e a aproximação com os desvalidos, estes, segundo ele, os
dignos da proteção divina. O caminho de João Paulo I não teve continuidade,
pois morreu precocemente após poucos dias de papado ou, segundo o jornalista e
escritor inglês David Yallop, Albino Luciani foi assassinado por envenenamento porque
ia contra os interesses de certos tubarões do Vaticano.
David Yallop lançou em 1.984, após
três anos de pesquisas e investigações, o livro Em nome de Deus (Ed. Record e disponível na íntegra na internet),
onde narra com detalhes a trama que levou, segundo ele, ao envenenamento de
João Paulo I pela máfia da Cúria do Vaticano que tinha como cabeça Paul Marcinkus,
presidente do Banco do Vaticano (David Yallop diz em seu livro que obteve
informações de gente do próprio Vaticano, assim como o jornalista italiano
Gianluigi Nuzzi, recentemente, ao publicar livro sobre as cartas do Papa Bento
XVI).
A cobertura dada à eleição do novo Papa com os
atuais recursos tecnológicos da mídia, mostrou ao público mundial aquilo que
muitos sabiam, mas que não têm uma noção mais exata da instituição mais antiga
do mundo ocidental. As peculiaridades da Igreja Católica nas suas ações e nos
seus dogmas não explicam à luz da lógica comum, como uma instituição fruto da
criação humana chegou tão longe. O discurso da Igreja, que parece estar sempre
na contramão da história – controle de natalidade, aborto, divórcio, celibato,
proibição de uso de preservativos – por mais paradoxal que pareça, é umas das
razões de sua longevidade. Disciplina, hierarquia, obediência e renúncia à
sucessão hereditária, completam a receita da sobrevivência da Igreja nesses
mais de dois mil anos, o que levou Bertrand Russel a dizer que “Há uma grande instituição que jamais teve
qualquer elemento hereditário: a Igreja Católica. Podemos esperar que as
ditaduras, se sobreviverem, desenvolvam, aos poucos, uma forma de governo
análoga à da Igreja”.
Joachim Fest em sua biografia, “Hitler”, disse
que o ditador nazista ao fincar as primeiras estacas do Terceiro Reich se
espelhou na disciplina e hierarquia da Igreja Católica como receita para aquele
deveria ser o império de mil anos.
O discurso da renúncia material - preceito
cristão alimentado ao longo de milênios - em contraposição à pompa e
circunstância que a Igreja ostenta, no
entanto, talvez seja um dos poucos pontos que põe em xeque os postulados
espirituais que cercam o reino de Pedro e seus sucessores.
E esse tem sido um ponto que tem
dividido nos últimos anos a Igreja entre aqueles que a querem próxima dos
pobres, retornando às suas origens, e aqueles que insistem no poder sacro
imperial do Vaticano. A eleição de Francisco, o novo papa, restabelece um liame
com João Paulo I, papado esse preenchido pelo hiato de João Paulo II e Bento
XVI. Ambos, João Paulo I e Francisco, com uma clara noção de que a Igreja deve
ser uma nave de condução espiritual de seus mais de 1 bilhão e 200 milhões de
fiéis; ambos com a consciência de que a Igreja, por mais milenar que seja, está
perdendo terreno para os enxames das pentecostais que, ainda que tragam no seu
bojo uma prática mercantilista da fé, embalam o discurso da salvação da alma;
ambos querendo que a Igreja faça da máxima de Cristo, “repartir o pão e o vinho
igual para todos”, não um retórica, mas, uma prática.
Mas a Igreja, se são verdadeiras as
conclusões de Yallop em sua obra, é tão humana quanto qualquer outra
instituição, com seus podres e suas virtudes. E nela sempre existiu uma queda
de braço entre uma maioria dos cardeais que elegeu João Paulo I e Francisco e
aquela minoria que domina os bastidores do Vaticano. Ontem Paul Marcinkus, hoje
Tarciso Bertoni, este, segundo os vaticanólogos, o responsável pela renúncia de
Bento de XVI que, sabendo da podridão que vai de corrupção financeira ao
acobertamento de pedofilia praticada por padres em várias paróquias do mundo, não
teve forças para enfrentá-lo.
A eleição do Papa Francisco, nome
escolhido em homenagem a São Francisco de Assis, o santo das renúncias
materiais e amigo dos pobres, prometendo uma nova Igreja e novos rumos, tem uma
semelhança incrível com o Papa João Paulo I. Os dois de origem humilde e com
discurso da aproximação da Igreja aos mais pobres. Mas, aonde chegará a Igreja
Católica com o Papa Francisco? Ler o livro Em
nome de Deus, de David Yallop, parece nos transportar para um futuro
previsível, quando ele diz – e assusta – que “A história do Vaticano é a história de incontáveis Papas ansiosos em
fazer reformas, mas contidos e neutralizados pelo sistema. Se a Igreja em geral
e a Cidade do Vaticano assim o querem, podem e conseguem influenciar e afetar
drasticamente as decisões papais”. É a velha constatação de Maquiavel que nas
relações de poder entre os homens, sempre prevalece a vontade da minoria articulada
sobre a maioria.
Eleito um jesuíta para comandar a
maior igreja do ocidente, é de se esperar se ele vá promover as reformas que
suas atitudes e discursos estão a indicar ou serão barradas por aqueles que
resistem às mudanças que alcancem efetivamente o lado espiritual de 1 bilhão e
200 milhões de católicos? O Papa Francisco por certo tem mente o destino que
teve João Paulo I e deve estar a meditar nas palavras de seu confrade jesuíta,
o Padre Antonio Vieira, que em seu Sermão da Sexagésima” já alertava: “Nunca na Igreja de Deus houve tantas
pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra
de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre si e
se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que
é isto? Se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos
pregadores, por que não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?”.
As palavras do padre jesuíta
português foram ditas não em 2.013, mas em 1.655, e nunca elas foram tão atuais.
Se o Papa Francisco vai conseguir
impor o que seu discurso está a desejar, ninguém sabe e só o tempo dirá, pois
como disse o Padre Antonio Vieira, a diferença do falso para o verdadeiro
profeta só se sabe quando a profecia se realiza.
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