segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

REVISITANDO O CONCEITO DE VERDADE


“A fraude é o único caminho possível para a verdade” (Jean-Claude Carrière)
“O que é a verdade?” (Pergunta de Pilatos a Jesus Cristo)

            Neste fim e começo de ano fui a Europa em férias. Retornei a Paris e conheci Berlim. Em Paris, seguindo a sugestão de Ruy Castro e Heloísa Seixas em seu livro Terra, mar e ar, saí do roteiro convencional da cidade e fui conhecer pontos e locais que fizeram história, sobretudo, da Revolução Francesa. Na rua Saint-Honoré, 400, conheci o local onde foi a casa em que morou Robespierre, o Incorruptível, o Arcanjo do Terror, e, bem próximo dali, no número 330, o local onde funcionou o Clube dos Jacobinos.
            Uma visita a locais como esse, inevitavelmente, me levou novamente à Place de la Concorde, antiga Praça da Revolução, local onde foram guilhotinadas pessoas notórias da França naqueles anos de terror. Luiz XVI, Maria Antonieta, Danton, Saint-Just, Robespierre... Mas lá, nenhuma referência ao palco onde rolaram muitas cabeças daqueles que de modo direto ou indireto mudaram a face do mundo com a revolução de 1.789. Nenhuma placa, nenhum escrito, nenhuma explicação, nada. Em seu lugar, um obelisco.
            Soube que a decisão de “apagar” da história qualquer menção ou referência aos fatos ocorridos no local onde teria se dado o corte das cabeças, seria por razões que a França julga indignas ou impróprias à lembrança do mundo de tamanho espetáculo que envergonha os povos civilizados. Não sei até onde isso é verdade ou é justificável, mas a verdade é que no local onde a guilhotina degolou muitos revolucionários e contrarrevolucionários, não existe nenhuma referência a esse fato.
            Já em Berlim, onde os fatos que ajudaram a mudar a face do mundo ocorreram mais próximos de nossos dias, como a divisão da cidade pelo muro e os campos de concentração, a atitude foi diferente. Em Berlim, todo turista é instado a visitar um campo de concentração. A justificativa para tanto é de que os homens devem ver os locais onde foi materializado o holocausto pelos nazistas e, vendo aquilo que representou aquelas atrocidades, não esqueçam e tenham em mente tamanhos horrores cometidos pelo homem e se envergonhem, não deixando que a história se repita.
            Duas moedas de uma mesma face. Mas, vejam que paradoxo: na França, santuário da igualdade, fraternidade e, liberdade, não é dado aos homens conhecer as entranhas e os detalhes do local onde a Praça da Revolução pôs abaixo cabeças e cabeças pela senda da guilhotina; na Alemanha, onde o regime nazista suprimiu todas as liberdades individuais e concebeu um projeto eugenístico-racial para dominar o mundo, mostrar as engrenagens dessa barbárie funcionaria como um antídoto para que tais loucuras não voltem a  ocorrer. Mas, na Alemanha – na contramão sesse exemplo - existe o outro lado da moeda, pois a ninguém é dado o direito de negar a existência do holocausto, delimitar sua extensão ou assumir qualquer postura crítica que isente, limite ou exima Hitler de seus atos. Qualquer manifestação que indique simpatia, defesa ou apologia à figura de Adolf Hitler é terminantemente proibida. É crime.
            O que nos é dado saber? E de se indagar: o que é verdade? Esta última pergunta continua sem resposta desde que foi feita no Pretório por Poncio Pilatos a Jesus Cristo, adquirindo contornos filosóficos e materiais na história da humanidade, muitas vezes com muitas faces de muitas moedas. A verdade é que a verdade não só é mutável como adquire faces e feições que se ajustam aos interesses e conveniências dos povos, dos tempos e, sobretudo, dos governos.
            Damnatio memoriae é uma expressão latina que literalmente significa danação da memória e, num português mais compreensível, quer dizer apagar da memória das pessoas qualquer lembrança a respeito de um fato ou de uma pessoa. Era um instituto de que os antigos romanos se valiam e, segundo Umberto Eco, “Votada pelo Senado, a damnatio memoriae consistia em condenar alguém, post mortem, ao silêncio, ao esquecimento. Tratava-se de eliminar seu nome dos registros públicos, ou então banir as estátuas que o representavam, ou ainda declarar nefasto o dia de seu nascimento”.
            Pois é. Nada mais atual. A damnatio memoriae em tempos recentes foi usada pelos nazistas, por Stalin, pela Coreia do Norte e por muitos governos ditos democráticos do Ocidente, mesmo em nossos tempos. Nunca saberemos se o que é verdade hoje será verdade amanhã ou terá sido ontem. É aquilo que George Orwell em 1984 denuncia: só existe o presente, pois o passado pode ser permanentemente alterado para fazê-lo presente.
Fico me perguntando como é possível crer no que lemos e no que vemos, pois já foi dito que a história, sempre, é escrita pelos vencedores e os vencedores sempre se alternam ou mudam de lado.
No Brasil de hoje, também, não é diferente. O atual governo está reescrevendo a nossa história, passando para as atuais gerações a ideia de que o país foi descoberto por eles e que tudo de bom que há por aqui é fruto da sua ação onipresente nas nossas vidas. Só falta eles dizerem aquilo que disse Leibinitz, que vivemos (no Brasil) no melhor dos mundos possíveis de se viver.
Escamotear a verdade; fazê-la sempre o molde de crenças impostas. Esse será sempre o instrumento de governos de todos os matizes em todos os tempos.




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