domingo, 25 de março de 2012

CHICO ANYSIO – O ARTISTA DO RISO




“Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação” (Eça de Queiroz).


Chico Anysio, pela repercussão que está sendo dada à sua morte, revela o quanto foi um gênio, sobretudo, na arte de fazer as pessoas rirem quando muitas vezes a circunstância levava ao choro ou à seriedade. Seu pecado foi ter-se convertido de torcedor do América para o do Vasco. O primeiro, - a conversão - um pecado perdoável, o segundo, - a adesão vascaína - um pecado mortal. Mas, afora o gracejo dessas colocações, a morte do Chico Anysio é daquelas que devem ser lamentadas por todos que gostavam, não só de seu humor, mas de sua inteligência. E num país em que se fabricam choros e lamentações para certas nulidades que morrem, Chico Anysio deve ser realmente pranteado.
Fazer rir não é fácil. É para aqueles que realmente têm esse dom, esse talento. E os atores que lidam com a arte de interpretar sabem que é mais fácil fazer chorar do que rir. E Chico Anysio, além de ter exercido um leque de versatilidades como escritor, roteirista, comentarista esportivo, ator, foi no humor, no entanto, que se imortalizou. Desde menino, ainda no tempo da televisão preto e branco, Chico já me fazia rir e às várias gerações que me antecederam e sucederam. Era eclético na arte de fazer rir. Dava vida tanto a uma piada de salão como a uma piada de cunho político. E se manteve assim durante toda sua existência. Sua arte e seu talento consistiam em explorar do cotidiano do povo brasileiro as piadas mais engraçadas; aquela piada que tanto o mais erudito dos homens como o mais simplório não se continham em gargalhadas quando contadas ou interpretadas por Chico Anysio.
Tavares, o emérito bebum; Justo Veríssimo, o protótipo do político brasileiro; Coalhada, a encarnação do lado cômico e desorganizado do futebol brasileiro; o professor Raimundo e seus alunos, o retrato da educação brasileira; Pantaleão, o lado cínico da mendacidade humana; Salomé, a gaúcha que recriminava a ditadura militar, e tantos outros. Em muitos desses personagens havia não só o humor que deles exalava, mas também e, sobretudo, retratava de modo fino, irônico e sutil o lado da crítica ferina e mordaz do nosso dia-a-dia que só o riso consegue demolir.
Chico Anysio teve a capacidade através de seu talento de retratar com humor muitas situações e facetas do povo brasileiro, sem reduzi-las à vulgaridade do senso comum. Tive a felicidade de assistir Chico Anysio ao vivo em três oportunidades. Uma no Rio, outra em Boa Vista e a última em Brasília, num espaço de tempo que distou pelo menos 15 anos da primeira para a última apresentação. Nessas três vezes ele sempre se apresentou diferente e renovador, criando e recriando, comprovando sua genialidade, pois é muito difícil atravessar mais de meio século nessa atividade e não perder a criatividade numa arte que é para poucos – fazer rir.
Definitivamente Chico Anysio vai deixar saudades. E digo isso com sinceridade e sem demagogias baratas, elogios estéreis e aqueles lugares comuns quando se tributa homenagens a certas pessoas pelo simples fato de terem morrido. Sim, Chico Anysio será eterno e poderia ter vivido mais tempo para adiar nossa orfandade. Sim, Chico Anysio o artista do riso sabia muito bem que seu humor tinha mais poder que uma baioneta e, de certa forma, embora a história e os historiadores até agora não lhe confiram essa honraria, ajudou a sepultar o regime militar na figura, dentre outros de seus personagens, de Salomé, que não era outra coisa que a voz do povo brasileiro clamando pela volta da normalidade democrática (se é que essa normalidade democrática alcançou a sua maturidade no Brasil). Seu humor foi decididamente um instrumento político em favor do povo brasileiro, no sentido mais higiênico que a palavra possa comportar nesses dias de putrefação moral.
Por isso mesmo, nós brasileiros (ou pelo menos eu) lhe dedicamos como réquiem, as palavras de Eça de Queiroz, tão afetas ao Brasil de hoje: “a gargalhada não é nem um raciocínio nem um sentimento; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma. Um Governo decreta? gargalhada. Reprime? gargalhada. Cai? gargalhada. E sempre esta política, liberal ou opressiva, terá em redor dela, sobre ela, envolvendo-a como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, e cruel – a gargalhada!”.

Grande Chico Anysio, requiescat in pace.

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