terça-feira, 29 de março de 2011

JAQUELINE RORIZ E A MORALIDADE POLÍTICA BRASILEIRA

           

Ultimamente a mídia nacional tem se ocupado com insistência a respeito do processo por quebra de decoro parlamentar instaurado pela Câmara dos Deputados contra deputada federal Jaqueline Roriz. Como se sabe, foi divulgado um filme onde a deputada aparece recebendo certa importância em dinheiro da “estrela” Durval Barbosa no ano de 2.006. Por conta disso, e de imediato, uma onda de indignação tomou conta do país, onde a voz surda das ruas clama por justiça com a imediata cassação da deputada.
            Confesso que além do exagero, o fato em si afigura-se de uma hipocrisia sem tamanho. Alguns setores da mídia dão ênfase demasiada ao caso; alguns políticos demagogos reclamam por ética na política, e, os politicamente corretos, ou os certinhos – ou cretinos -  pedem que a política seja passada a limpo. Ora, o que estão fazendo com essa moça é de uma covardia sem tamanho e me parece que o seu caso está servindo como pano-de-fundo para encobrir certas sujeiras da política brasileira. Vejamos. Os fatos teriam ocorrido em 2.006, antes, portanto, da eleição da deputada. O STF recentemente declarou que a lei da ficha limpa tem validade para os próximos pleitos eleitorais, valendo dizer que aqueles que foram condenados pelo Poder Judiciário por crimes ou improbidade administrativa podem exercer seus mandatos obtidos na eleição de 2.010. E a decisão do STF, é bom que se diga, está corretíssima, porque não pode a lei retroagir para prejudicar a pessoa por fatos pretéritos.
            Agora veja-se o absurdo. Aqueles que foram condenados num processo formal pelo Poder Judiciário, com penas em concreto aplicadas, estes podem exercer seu mandato em face da irretroatividade da lei. Agora, a deputada Jaqueline acaso a Câmara dos Deputados acolha a acusação de falta de decoro parlamentar por fatos ocorridos há cinco anos, não poderá exercer seu mandato. E veja que absurdo maior ainda. Se ela tivesse sido processada por esses mesmos fatos que lhe atribuem, perante o Poder Judiciário, e houvesse sido condenada por esses mesmos fatos, mas tivesse recorrido da sentença, pela decisão do STF poderia tranqüilamente exercer seu mandato!
            O segundo ponto que se levanta nesta choldra é a forma como os fatos atribuídos à deputada vieram à tona. Durval Barbosa, que virou “estrela” da operação caixa de pandora, dá-se ao luxo de quando, como e contra quem faz suas denúncias, sempre através de suas filmagens secretas. Isso é inaceitável para quem acredita e diz de boca cheia que estamos vivendo num estado democrático de direito, pois um bandido é quem dá as cartas ao Estado. Assim, uma imagem isolada num determinado lugar e em determinado tempo, tem valido por qualquer outra colocação em contrário. Isso é indução por meio de uma imagem para que uma ideia ou crença seja incutida no consciente ou imaginário popular, técnica que Goebells, ministro da propaganda de Hitler, usou muito bem na Alemanha nazista. Com isso, abandona-se qualquer discussão crítica a respeito do fato traduzido pela imagem e faz-se um juízo a priori de quem está sendo exibido. O final quase sempre é uma fogueira da inquisição.
            Por fim, na medida em que o processo de cassação instaurado contra a deputada Roriz traz em si uma carga de moralidade exigida da vida pública brasileira, indaga-se por que a mídia, o Ministério Público, a classe política, enfim, a sociedade, não cobram e põem na mesma vala o senador Gim Argelo? Esse escroque quebem pouco tempo foi flagrado desviando quase cinco milhões de reais de emendas do orçamento da União para uma empresa fantasma de seu filho, permanece intocável. A respeito disso não se tem falado ou comentado mais nenhuma palavra e, até onde se sabe, o Ministério Público não demonstrou a mesma disposição em processá-lo, assim como os chamados partidos éticos da Câmara, como esse PSOL, não deram e não estão dando um pio sequer a respeito desse sicofanta.
            Estamos vivendo uma época de um falso moralismo em que as pessoas estão deixando de pensar por si próprias para aderir alegremente àquilo que lhes é imposto. Ninguém pensa, nem raciocina, quer punir, condenar, sem se dar ao trabalho de uma reflexão. No sopro dessa irracionalidade escolheram sua vítima do momento para sacrificá-la no altar da expiação da moralidade brasileira. Afinal, segundo lembra Bertrand Russel, filósofo inglês, o homem politicamente correto é aquele que não cospe no chão, não fala alto, não maldiz o vizinho, vai a missas aos domingos, fala bem dos amigos, etc. etc. E, no entanto...

terça-feira, 22 de março de 2011

E MAIS UMA PROPOSTA DE MODERNIDADE DO JUDICIÁRIO




            O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, em recente entrevista a uma emissora de televisão, defendeu a necessidade de se reduzir por meio de uma emenda à Constituição o número de instâncias recursais no âmbito do Poder Judiciário. Segundo Cezar Peluso, a existência de quatro instâncias recursais no Brasil tem levado à utilização excessiva de recursos, o que causa a eternização dos processos. Cezar Peluso afirma ainda que essa distorção precisa ser corrigida, sugerindo por emenda constitucional a redução de quatro para duas instâncias a fim de tornar a justiça mais célere.
Simplificando a proposta do ministro do STF: julgados os processos pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais passar-se-ia imediatamente à execução da sentença, cabendo somentepelo que eu entendi da entrevistaum recurso extraordinário dirigido a não sei quem, que acima dessas instâncias restariam o próprio STF e o Superior Tribunal de Justiça. O ministro do STF, por sua vez, não diz quem é o destinatário dessa proposta, se o cidadão comum que labuta nos tribunais contra os arbítrios e o gigantismo estatal ou se o próprio Estado, recordista na prática da utilização de recursos e suas chicanas jurídicas que se eternizam.
Respeitada a opinião do presidente do STF - da qual não concordo – ela denota como no Brasil as mudanças que se sugerem a título de agilizar e tornar eficiente o Poder Judiciário se dão. O discurso da modernização do Judiciário quase sempre traz embutidas propostas de supressão de direitos dos cidadãos: menos prazos recursais, menos recursos, menos instâncias, mais punição, mais legislação, mais, enfim, tudo. O que preocupa é que sem uma discussão mais aprofundada com a sociedade, uma proposta como essa seja aprovada, sobretudo se bafejada pela mídia que, muitas vezes, sem conhecer os meandros e nuances do dia-a-dia forense, embala o discurso da modernidade do Judiciário.
Esse discurso de modernidade do Judiciário de tempos em tempos vem à tona, escondendo quase sempre restrição de direitos do cidadão, que é, no final das contas, acusado de modo implícito por suas mazelas e deficiências.  Recentemente, por exemplo, o ministro Gilson Dipp, do STJ e ex-corregedor do Conselho Nacional de Justiça, disse que o habeas corpus tem sido usado de modo abusivo pelos advogados e que a restrição de sua utilização deve ser objeto da análise pelo legislador ordinário. O que eu me pergunto é se o usoexcessivo” do habeas corpus é a demonstração de abuso ou de cidadania. Ainda que eu faça a indagação respondo por mim mesmo com a segunda alternativa. Mas, setores conservadores do Judiciário, como o ministro Dipp, têm esse pensamento, e, a ironia disso reside no fato de que ele integra o intitulado “tribunal da cidadania”.
Em verdade o Poder Judiciário brasileiro está muito distante do seu discurso, pois, a título de aproximar-se do cidadão com essas proposições, faz aumentar a desigualdade entre o Estado e a sociedade. Não sem razão, Thomas Jefferson, em uma troca de correspondência, em 1.816, disse que o poder judiciário não era democrático, pois, segundo suas próprias palavras, “O Judiciário é seriamente anti-republicano, por ser vitalício”, por não ter que se submeter de tempos em tempos, como ocorre com os outros poderes da república, ao voto popular.
Assim, penso, que antes de atribuir a causa das deficiências do Judiciário brasileiro, como sendo de fora para dentro, o ministro Peluso deveria fazer essa leitura às inversas, de dentro para fora, e explicar - e cobrar - o baixo índice de produtividade de muitos juízes brasileiros, começando pelo seu colega Joaquim Barbosa que presta pouca prestação jurisdicional. Logo, diferentemente do min. Peluso, comungo com a opinião de Miguel Reale Junior, que diz que pior que justiça tardia é injustiça célere.