O ALCANCE DA EMENDA 79/14 EM
RELAÇÃO ÀQUELES SERVIDORES –CARGOS COMISSIONADOS - CONTRATADOS REGULARMENTE
PELO GOVERNO DE RORAIMA ENTRE 05 DE OUTUBRO DE 1.988 E 05 DE OUTUBRO DE 1.993.
1-
Resumo
dos fatos objeto deste parecer
Ao ser aprovada recentemente a PEC 111 pelo
Congresso Nacional e convertida na Emenda Constitucional 79 de 27.05.2014, que
deu nova redação ao art. 31 da Constituição Federal, muito tem se discutido se
dito dispositivo alcança como beneficiários aqueles servidores que exerceram
função pública em Cargos Comissionados – CC’s – no Governo de Roraima, no
período lá compreendido, que vai de outubro de 1.988 a outubro de 1.993. Para
se buscar o alcance do agora texto da Constituição, é necessário, dentre outras
coisas, entender qual foi o espírito do legislador constitucional que editou a
EC 79/14 em cotejo com o lapso histórico-temporal que vai da transformação do
Território Federal de Roraima até a sua efetiva instalação e consolidação (§§
1º e 4º do art. 14, ADCT) e realidade institucional vigente da então nova
unidade da federação.
Assim, primeiramente, é preciso
entender e saber como funcionou a máquina administrativa com pessoal no novo
Estado de Roraima no período contemplado pela EC 79/14. Àquele tempo, o Estado
de Roraima provia seu quadro de pessoal com três tipos de servidores: as
pessoas nomeadas em cargos comissionados, os conhecidos CC’s, aquelas que
trabalhavam por contrato através das cooperativas e os servidores remanescentes
do ex-Território Federal de Roraima. Não havia nessa virada de Território
Federal para Estado nenhuma carreira criada por lei no Estado, mesmo porque as
instituições, como Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas,
Assembleia Legislativa foram sendo criadas e constituídas gradativamente. Em outras
palavras, não havia cargos e funções criados por lei para o exercício de
procuradores de estado, delegados, agentes de polícia, agentes administrativos,
agentes de saúde, etc. Enfim, todos os cargos das três esferas de poder –
sobretudo, no Executivo – eram exercidos pelos CC’s, por cooperativados e pelos
servidores remanescentes do ex-Território, mas, estes últimos, com vínculo funcional
com a União.
Ou seja, nesse período havia um
vazio institucional no Estado de Roraima no que diz respeito ao seu quadro de
pessoal em suas várias categorias.
O parecer que ora se faz acerca do
alcance do texto constitucional em discussão não tem a pretensão de dar a
última palavra a respeito do tema e nem mergulhar em conceituações recheadas e
prolongadas de erudição jurídica, mas tão somente dar uma visão clara, objetiva
e didática da nova redação do art. 31 da Constituição Federal ocorrida por
força da Emenda Constitucional 79, de 27 de maio de 2.014. É um trabalho sem
pretensão jurídico-acadêmica, mas com uma abordagem suficiente para fazer
entender o alcance das alterações trazidas pela EC 79/14 naquilo a que ele se
propõe.
2-
O
servidor de que fala a EC 79/14 abrange e alcança aquele que exerce função em
cargo comissionado?
Feitas essas considerações
preliminares de ordem histórica para melhor compreensão do que está em
discussão, responderemos se efetivamente aquelas pessoas que exerceram função
pública em cargos comissionados, CC’s, têm direito de ser enquadradas na União
nos termos da EC 79/14. A referida EC 79/14, convertida no art. 31 da
Constituição Federal, contempla três hipóteses de aproveitamento nos quadros da
União, mas fiquemos somente na que interessa ao presente parecer. Assim sendo é
que, diz o art. 1º da EC 79/14, “integrarão” em “quadro em extinção da administração federal” “os servidores e os policiais militares admitidos regularmente pelos governos dos Estados do Amapá e
de Roraima no período entre a
transformação e a efetiva instalação desses Estados em outubro de 1993”.
A
Constituição se vale, nesse caso, de duas expressões como condição sine qua non para que se possa integrar
esse “quadro em extinção da administração federal”: a
condição de “servidor”, e, que ele tenha sido admitido
“regularmente”. Primeira indagação a ser
feita é se aquele que exerce atividade no Poder Público na condição de cargo comissionado
(que todos sabemos ser demissível ad
nutum) pode ser considerado servidor público para os fins que busca o
legislador constitucional.
Como
se infere de uma leitura da Constituição Federal, lá não há um conceito
expresso de servidor público. Mas, pode-se buscar esse conceito na legislação
infraconstitucional e na jurisprudência que têm dado os Tribunais brasileiros
ao referido instituto. Logo, uma das definições de servidor está consignada no §
1º do art. 327 do Código Penal, que diz: “Equipara-se
a funcionário público[1]
quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a
execução de atividade típica da Administração Pública” (Redação dada ao
parágrafo pela Lei nº 9.983, de 14.07.2000, DOU 17.07.2000). Ainda que tal
definição se preste para fins penais, todavia, resta claro que o conceito legal
aí contido, considera servidor público todo aquele que exerce suas atividades
na administração pública ainda que de modo temporário ou precário.
Por
sua vez, a Lei 8.112/90 em seu art. 2º define expressa e claramente o conceito
de servidor público: “Para os efeitos
desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público”.
Já o art. 3º da mesma lei diz: “Cargo
público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura
organizacional que devem ser cometidas a um servidor”. A lei não diz, como
dela se infere, o que vem a ser servidor público, se ostenta essa condição o
estatutário ou comissionado, mas o conceitua de modo abrangente.
Portanto,
aqueles servidores nomeados em cargos comissionados – CC’s – que exerciam
funções na esfera administrativa do Estado de Roraima no âmbito de seus três
poderes – mormente o Poder Executivo – eram “servidores” na acepção que lhe dá
a lei porque, a rigor, esta não faz distinção, se esse servidor seja efetivo,
estável ou demissível ad nutum.
Servidor
nesse conceito constitui gênero de uma classificação e conceituação de todo
aquele que exerce atividade para a administração pública. Servidores públicos em sentido estrito ou
estatutários, na doutrina de Helly Lopes Meirelles, “são os titulares de cargo público efetivo e em comissão,
com regime jurídico estatutário geral ou peculiar e integrantes da
administração direta, das autarquias, e das fundações publicas com
personalidade de Direito Publico. Tratando-se de cargo efetivo, seus titulares
podem adquirir estabilidade e estarão sujeitos a regime peculiar de previdência
social” (Meirelles, 2010, p. 439).
Mesmo entendimento tem Celso Ribeiro
Bastos, 2.001, pág. 311, para quem
servidores públicos, “são todos aqueles
que mantêm com o Poder Público um vínculo de natureza profissional, sob uma
relação de dependência”, compreendidos como os servidores investidos em
cargos efetivos, em cargos em comissão ou servidores contratados por
tempo determinado.
Nessa linha
de raciocínio e em abono à doutrina, a jurisprudência vem enfatizando que não
se desassemelha da condição de servidor, o estável e do cargo em comissão.
Nesse sentido: “... tanto ocupantes
de cargo público efetivo, como de cargo em comissão qualificam-se como
servidores públicos” (TRF 5ª R. – REOAC
0000516-92.2013.4.05.8308 – (562652/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo
Apoliano – DJe 25.10.2013 – p. 195).
No mesmo sentido: “A própria doutrina administrativista abrange no conceito de servidor
público aqueles ocupantes de cargos comissionados” (TJCE – AC
0001186-53.2002.8.06.0064 – Rel. Francisco José Martins Câmara – DJe 16.12.2013
– p. 43); “Em razão do disposto nos
artigos 2º e 3º da Lei 8.112/90, pode-se concluir pela inclusão no conceito de
servidor público do agente que exerce cargo comissionado, ainda que sem vínculo
com a administração” (TJDFT – EIC 19990110345279 – 2ª C.Cív. – Relª
Desª Nilsoni de Freitas – DJU 06.09.2007 – p. 120); “Em se tratando de cargo público de provimento em comissão, o
recorrente se enquadra no conceito de servidor público estatutário, regido por
regime institucional de índole administrativa, não-contratual...” (TRT 09ª
R. – RO 1265-07.2011.5.09.0089 – Rel. Luiz Celso Napp – DJe 10.04.2012 – p.
279).
Poder-se-ia citar uma infinidade de
julgados afirmando esse entendimento, ou seja, de que aquele que ocupa cargo
comissionado é considerado servidor nos termos da lei. Por isso é inarredável e
inquestionável concluir-se pelo entendimento de que todo aquele que exerce
cargo comissionado de provimento de livre e nomeação e demissão, é servidor
público.
Logo, conclui-se sem qualquer esforço exegético que
os cargos comissionados exercidos por aquelas pessoas entre outubro de 1.988 e
outubro de 1.993 no Governo de Roraima, guindam essas à condição de servidor
público. Em verdade e em decorrência do momento institucional atípico do Estado
de Roraima que estava se instalando e se consolidando, naquele período, aqueles
cargos que deviam ser providos e criados por lei o eram por cargos
comissionados. Mas, como dito acima, não havia plano de cargos e salários no
Estado de Roraima para essas categorias funcionais (aliás, para nenhuma), e
todos os cargos no âmbito estadual eram providos por cargos em comissão. Mas
nem e muito menos por isso essas pessoas deixam de ser consideradas servidores
públicos nos termos da lei, mormente naquele sentido que lhe empresta a
Constituição na nova redação de seu art. 31.
Portanto, aquelas pessoas que exerceram cargo em comissão, CC, no
período de que fala o art. 1º da EC 79/14, são consideradas servidores
nos termos que quis lhe dar o legislador constitucional e infraconstitucional.
1-
Aqueles que exerceram função em cargo comissionado
entre outubro de 1.988 e outubro de 1.993 no Governo de Roraima, podem ser
considerados como “admitidos regularmente”?
O
outro ponto de questionamento diz respeito à expressão contida no art. 1º da EC
79/14: “admitidos regularmente pelos governos dos Estados do Amapá e de Roraima no
período entre a transformação e a efetiva instalação desses Estados em outubro
de 1993”. A primeira
indagação que se faz, é: o que é uma admissão regular? O substantivo
“admissão” não comporta muita discussão, pois segundo o Dicionário eletrônico
Houaiss, significa “ato, processo ou efeito de admitir ou de ser admitido; ato de aceitar ou aprovar (alguém ou
algo); consentimento, reconhecimento”. Já o adjetivo regular, o mesmo
Houaiss diz que é aquilo que se dá “conforme as regras, as leis, as praxes, a
natureza”.
Como
eram nomeadas as pessoas que exerciam os cargos comissionados no Governo de
Roraima no período a que se refere a EC 79/14 e mais especificamente o art. 31
da Constituição? Resposta: através de decreto do Governador do Estado de
Roraima. Todas as nomeações para cargos comissionados eram precedidas por
decreto do Governador do Estado de Roraima naquele período. Portanto, todos os
servidores nessa condição se enquadram na expressão contida na EC 79/14, que
diz: “admitidos regularmente”.
A
nomeação de um servidor para cargo comissionado que vem precedida de um ato
governamental representada por decreto de um Governador de Estado, não só é regular,
como é, sobretudo, legal. A rigor, o legislador constitucional ao fazer opção
pelas expressões que exprimem uma admissão regular no serviço público foi bem
mais abrangente para as hipóteses daqueles que podem ingressar na administração
pública federal nas circunstâncias contempladas pela EC 79/14. O legislador
poderia ter feito a opção pelas expressões “admitidos legalmente”, mas preferiu
“admitidos regularmente” que é uma expressão de conceito mais alargado que a
primeira, que é mais restritiva.
Sucede,
então, que não pode haver interpretação que não seja aquela de que todo aquele
que exerceu função em cargo comissionado por decreto do Governador de Roraima
foi admitido regularmente. Se o servidor foi admitido regularmente
preenche ele os requisitos para integrar “quadro em extinção da administração
federal”?
Do
ponto de vista de uma interpretação literal e de qualquer outro do texto da
Constituição em comento, o ocupante de cargo comissionado é considerado admitido
regularmente quando nomeado por ato governamental.
Não
obstante a clareza da redação do art. 31 da Constituição pela sua literalidade,
e se isso já não bastasse, “Deve”,
ainda, na interpretação de um texto, no dizer de Nicola Coviello[2], “portanto, prevalecer a letra, a ideia
valer mais do que o seu invólucro verbal”. Ora, se a ideia do legislador
constitucional foi abrigar em um “quadro em extinção da administração federal”
aquelas pessoas que exerceram funções em cargos comissionados num período em
que não era possível o acesso ao serviço público que não fosse por esse meio,
que sentido faria excluir todas as pessoas que assim estavam nessa condição
entre outubro de 1.988 e outubro de 1.993? Daí a advertência de Carlos de
Carvalho[3] de
que “deve-se evitar a supersticiosa
observância da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção”.
Não
sem razão, Carlos Maxmiliano[4],
assevera que em Direito Público deve se interpretar de modo estrito, mas,
adverte, “esse preceito não pode ser
aplicado à risca: o fim para que foi inserto o artigo na lei, sobreleva a tudo.
Não se admite interpretação estrita que entrave a realização plena do escopo
visado pelo texto. Dentro da letra rigorosa dele procure-se o objetivo da norma
suprema; seja este atingido, e será perfeita a exegese”.
Deve-se,
ademais, fazer do texto da EC 79/14 – ou do texto do art. 31 da Constituição
Federal – uma interpretação teleológica, a fim de que se busque e alcance,
efetivamente, o propósito do legislador constitucional. Nessa interpretação não
se poderia compreender o alcance da EC 79/14 sem buscar sua respectiva série
causal, a fonte primária de todo o propósito do legislador constitucional. Por
isso, é Carlos Maxmiliano quem novamente adverte, que ao constituir-se o
Direito Público “uma ciência normativa
ou finalística”, “a sua interpretação
há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o
fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A
norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias
para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de
modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de
interesse para a qual foi regida”[5].
E
concluiu: “Aplica-se à exegese
constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e também o teleológico, assegurada ao último a
preponderância” (idem, ibidem).
Por
fim, nesse aspecto e em endosso ao que acima se expôs, se afigura relevante
destacar que, na aplicação das normas constitucionais, o intérprete deverá
levar em conta uma ampla gama de princípios, dentre os quais o princípio da
máxima efetividade ou princípio da eficiência, que, segundo a segura lição de
Canotilho pode assim ser formulado: “a
uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe
dê” (in Direito Constitucional,
ed. Almedina, Coimbra, 1993, p. 227).
Feitas
essas ponderações e considerações, não se pode deixar de reconhecer que aquele
que exerceu função em cargo comissionado mediante decreto governamental, está
abrangido pelas expressões “admitidos regularmente” previstas na EC 79/14, art.
31 da Constituição Federal.
4- Conclusão
Qualquer
interpretação de caráter restritivo que leve à conclusão de que as pessoas que
exerceram função em cargo comissionado no período compreendido entre 05.10.1998
e 05.10.1993 não estão abrangidas pelo EC 79/1, e que deu nova redação ao art.
31 da Constituição Federal, afigura-se equivocada. Assim, considera-se para
fins legais como servidor público aquele que exerce função pública, ainda que
em cargo comissionado, como de igual modo considera-se admitido regularmente
esse mesmo servidor nomeado para cargo comissionado mediante decreto
governamental.
Trata-se,
na espécie, de valer-se da interpretação teleológica da norma, segundo a qual
deve ser interpretada em benefício de quem foi editada, ou seja, também das
pessoas que exerceram função em cargos comissionados. Aqueles que preenchem
esses pressupostos e requisitos no período de 05 de outubro de 1.988 (data da
transformação do Território Federal de Roraima em Estado) até 05 de outubro de 1.993
(data legal ou marco temporal da instalação, efetivação e consolidação do
Estado de Roraima), têm o direito de integrar “quadro em extinção da
administração federal” pela regra do art. 31 da Constituição Federal.
Brasília-DF,
1º de agosto de 2.014.
Pedro Xavier Coelho Sobrinho
[1] O
constituinte de 1.988 fez opção pela expressão “servidor público” ao invés de
“funcionário público”, como faziam as Constituições anteriores.
[2] Manualle
di Diritto Ittaliano, 2ª edição, vol. I, pág. 69, apud Paula Batista
[3]
Direito Civil Brasileiro Recopilado, art. 62, § 3º.
[4]
Hermenêutica de Aplicação do Direito, 9ª edição, Forense, págs. 313/314.
[5]
idem, ibidem, págs. 151/152.
Nenhum comentário:
Postar um comentário