segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O ALCANCE DA EMENDA 79/14 EM RELAÇÃO ÀQUELES SERVIDORES –CARGOS COMISSIONADOS - CONTRATADOS REGULARMENTE PELO GOVERNO DE RORAIMA ENTRE 05 DE OUTUBRO DE 1.988 E 05 DE OUTUBRO DE 1.993.



1-    Resumo dos fatos objeto deste parecer

Ao ser aprovada recentemente a PEC 111 pelo Congresso Nacional e convertida na Emenda Constitucional 79 de 27.05.2014, que deu nova redação ao art. 31 da Constituição Federal, muito tem se discutido se dito dispositivo alcança como beneficiários aqueles servidores que exerceram função pública em Cargos Comissionados – CC’s – no Governo de Roraima, no período lá compreendido, que vai de outubro de 1.988 a outubro de 1.993. Para se buscar o alcance do agora texto da Constituição, é necessário, dentre outras coisas, entender qual foi o espírito do legislador constitucional que editou a EC 79/14 em cotejo com o lapso histórico-temporal que vai da transformação do Território Federal de Roraima até a sua efetiva instalação e consolidação (§§ 1º e 4º do art. 14, ADCT) e realidade institucional vigente da então nova unidade da federação.

            Assim, primeiramente, é preciso entender e saber como funcionou a máquina administrativa com pessoal no novo Estado de Roraima no período contemplado pela EC 79/14. Àquele tempo, o Estado de Roraima provia seu quadro de pessoal com três tipos de servidores: as pessoas nomeadas em cargos comissionados, os conhecidos CC’s, aquelas que trabalhavam por contrato através das cooperativas e os servidores remanescentes do ex-Território Federal de Roraima. Não havia nessa virada de Território Federal para Estado nenhuma carreira criada por lei no Estado, mesmo porque as instituições, como Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Assembleia Legislativa foram sendo criadas e constituídas gradativamente. Em outras palavras, não havia cargos e funções criados por lei para o exercício de procuradores de estado, delegados, agentes de polícia, agentes administrativos, agentes de saúde, etc. Enfim, todos os cargos das três esferas de poder – sobretudo, no Executivo – eram exercidos pelos CC’s, por cooperativados e pelos servidores remanescentes do ex-Território, mas, estes últimos, com vínculo funcional com a União.

            Ou seja, nesse período havia um vazio institucional no Estado de Roraima no que diz respeito ao seu quadro de pessoal em suas várias categorias.

            O parecer que ora se faz acerca do alcance do texto constitucional em discussão não tem a pretensão de dar a última palavra a respeito do tema e nem mergulhar em conceituações recheadas e prolongadas de erudição jurídica, mas tão somente dar uma visão clara, objetiva e didática da nova redação do art. 31 da Constituição Federal ocorrida por força da Emenda Constitucional 79, de 27 de maio de 2.014. É um trabalho sem pretensão jurídico-acadêmica, mas com uma abordagem suficiente para fazer entender o alcance das alterações trazidas pela EC 79/14 naquilo a que ele se propõe.

2-    O servidor de que fala a EC 79/14 abrange e alcança aquele que exerce função em cargo comissionado?

            Feitas essas considerações preliminares de ordem histórica para melhor compreensão do está em discussão, responderemos se efetivamente aquelas pessoas que exerceram função pública em cargos comissionados, CC’s, têm direito de ser enquadrados na União nos termos da EC 79/14. A referida EC 79/14, convertida no art. 31 da Constituição Federal, contempla três hipóteses de aproveitamento nos quadros da União, mas fiquemos somente na que interessa ao presente parecer. Assim sendo é que, diz o art. 1º da EC 79/14, “integrarão” em “quadro em extinção da administração federal” os servidores e os policiais militares admitidos regularmente pelos governos dos Estados do Amapá e de Roraima no período entre a transformação e a efetiva instalação desses Estados em outubro de 1993.

            A Constituição se vale, nesse caso, de duas expressões como condição sine qua non para que se possa integrar esse quadro em extinção da administração federal”: a condição de “servidor”, e, que ele tenha sido admitido “regularmente”. Primeira indagação a ser feita é se aquele que exerce atividade no Poder Público na condição de cargo comissionado (que todos sabemos ser demissível ad nutum) pode ser considerado servidor público para os fins que busca o legislador constitucional.

            Como se infere de uma leitura da Constituição Federal, lá não há um conceito expresso de servidor público. Mas, pode-se buscar esse conceito na legislação infraconstitucional e na jurisprudência que têm dado os Tribunais brasileiros ao referido instituto. Logo, uma das definições de servidor está consignada no § 1º do art. 327 do Código Penal, que diz: “Equipara-se a funcionário público[1] quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública” (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 9.983, de 14.07.2000, DOU 17.07.2000). Ainda que tal definição se preste para fins penais, todavia, resta claro que o conceito legal aí contido, considera servidor público todo aquele que exerce suas atividades na administração pública ainda que de modo temporário ou precário.

            Por sua vez, a Lei 8.112/90 em seu art. 2º define expressa e claramente o conceito de servidor público: “Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público. Já o art. 3º da mesma lei diz: “Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”. A lei não diz, como dela se infere, o que vem a ser servidor público, se ostenta essa condição o estatutário ou comissionado, mas o conceitua de modo abrangente.

Portanto, aqueles servidores nomeados em cargos comissionados – CC’s – que exerciam funções na esfera administrativa do Estado de Roraima no âmbito de seus três poderes – mormente o Poder Executivo – eram “servidores” na acepção que lhe dá a lei porque, a rigor, esta não faz distinção, se esse servidor seja efetivo, estável ou demissível ad nutum.

            Servidor nesse conceito constitui gênero de uma classificação e conceituação de todo aquele que exerce atividade para a administração pública. Servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, na doutrina de Helly Lopes Meirelles, “são os titulares de cargo público efetivo e em comissão, com regime jurídico estatutário geral ou peculiar e integrantes da administração direta, das autarquias, e das fundações publicas com personalidade de Direito Publico. Tratando-se de cargo efetivo, seus titulares podem adquirir estabilidade e estarão sujeitos a regime peculiar de previdência social” (Meirelles, 2010, p. 439).

            Mesmo entendimento tem Celso Ribeiro Bastos, 2.001, pág. 311, para quem servidores públicos, “são todos aqueles que mantêm com o Poder Público um vínculo de natureza profissional, sob uma relação de dependência”, compreendidos como os servidores investidos em cargos efetivos, em cargos em comissão ou servidores contratados por tempo determinado.

Nessa linha de raciocínio e em abono à doutrina, a jurisprudência vem enfatizando que não se desassemelha da condição de servidor, o estável e do cargo em comissão. Nesse sentido: “... tanto ocupantes de cargo público efetivo, como de cargo em comissão qualificam-se como servidores públicos(TRF 5ª R. – REOAC 0000516-92.2013.4.05.8308 – (562652/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 25.10.2013 – p. 195).

            No mesmo sentido: “A própria doutrina administrativista abrange no conceito de servidor público aqueles ocupantes de cargos comissionados (TJCE – AC 0001186-53.2002.8.06.0064 – Rel. Francisco José Martins Câmara – DJe 16.12.2013 – p. 43); Em razão do disposto nos artigos 2º e 3º da Lei 8.112/90, pode-se concluir pela inclusão no conceito de servidor público do agente que exerce cargo comissionado, ainda que sem vínculo com a administração (TJDFT – EIC 19990110345279 – 2ª C.Cív. – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJU 06.09.2007 – p. 120); “Em se tratando de cargo público de provimento em comissão, o recorrente se enquadra no conceito de servidor público estatutário, regido por regime institucional de índole administrativa, não-contratual...” (TRT 09ª R. – RO 1265-07.2011.5.09.0089 – Rel. Luiz Celso Napp – DJe 10.04.2012 – p. 279).

            Poder-se-ia citar uma infinidade de julgados afirmando esse entendimento, ou seja, de que aquele que ocupa cargo comissionado é considerado servidor nos termos da lei. Por isso é inarredável e inquestionável concluir-se pelo entendimento de que todo aquele que exerce cargo comissionado de provimento de livre e nomeação e demissão, é servidor público.

            Logo, conclui-se sem qualquer esforço exegético que os cargos comissionados exercidos por aquelas pessoas entre outubro de 1.988 e outubro de 1.993 no Governo de Roraima, guindam essas à condição de servidor público. Em verdade e em decorrência do momento institucional atípico do Estado de Roraima que estava se instalando e se consolidando, naquele período, aqueles cargos que deviam ser providos e criados por lei o eram por cargos comissionados. Mas, como dito acima, não havia plano de cargos e salários no Estado de Roraima para essas categorias funcionais (aliás, para nenhuma), e todos os cargos no âmbito estadual eram providos por cargos em comissão. Mas nem e muito menos por isso essas pessoas deixam de ser consideradas servidores públicos, nos termos da lei, mormente naquele sentido que lhe empresta a Constituição na nova redação de seu art. 31.

Portanto, aquelas pessoas que exerceram cargo em comissão, CC, no período de que fala o art. 1º da EC 79/14, são consideradas servidores nos termos que quis lhe dar o legislador constitucional e infraconstitucional.

3-    Aqueles que exerceram função em cargo comissionado entre outubro de 1.988 e outubro de 1.993 no Governo de Roraima, podem ser considerados como “admitidos regularmente”?

                        O outro ponto de questionamento diz respeito à expressão contida no art. 1º da EC 79/14: admitidos regularmente pelos governos dos Estados do Amapá e de Roraima no período entre a transformação e a efetiva instalação desses Estados em outubro de 1993. A primeira indagação que se faz, é: o que é uma admissão regular? O substantivo “admissão” não comporta muita discussão, pois segundo o Dicionário eletrônico Houaiss, significa “ato, processo ou efeito de admitir ou de ser admitido;       ato de aceitar ou aprovar (alguém ou algo); consentimento, reconhecimento”. Já o adjetivo regular, o mesmo Houaiss diz que é aquilo que se dá “conforme as regras, as leis, as praxes, a natureza”.

                        Como eram nomeadas as pessoas que exerciam os cargos comissionados no Governo de Roraima no período a que se refere a EC 79/14 e mais especificamente o art. 31 da Constituição? Resposta: através de decreto do Governador do Estado de Roraima. Todas as nomeações para cargos comissionados eram precedidas por decreto do Governador do Estado de Roraima naquele período. Portanto, todos os servidores nessa condição se enquadram na expressão contida na EC 79/14, que diz: admitidos regularmente”.

                        A nomeação de um servidor para cargo comissionado que vem precedida de um ato governamental representada por decreto de um Governador de Estado, não só é regular, como é, sobretudo, legal. A rigor, o legislador constitucional ao fazer opção pelas expressões que exprimem uma admissão regular no serviço público foi bem mais abrangente para as hipóteses daqueles que podem ingressar na administração pública federal nas circunstâncias contempladas pela EC 79/14. O legislador poderia ter feito a opção pelas expressões “admitidos legalmente”, mas preferiu “admitidos regularmente” que é uma expressão de conceito mais alargado que a primeira, que é mais restritiva.

                        Sucede, então, que não pode haver interpretação que não seja aquela de que todo aquele que exerceu função em cargo comissionado por decreto do Governador de Roraima foi admitido regularmente. Se o servidor foi admitido regularmente preenche ele os requisitos para integrar “quadro em extinção da administração federal”?

                        Do ponto de vista de uma interpretação literal e de qualquer outro do texto da Constituição em comento, o ocupante de cargo comissionado é considerado admitido regularmente quando nomeado por ato governamental.

                        Não obstante a clareza da redação do art. 31 da Constituição pela sua literalidade, e se isso já não bastasse, “Deve”, ainda, na interpretação de um texto, no dizer de Nicola Coviello[2], “portanto, prevalecer a letra, a ideia valer mais do que o seu invólucro verbal”. Ora, se a ideia do legislador constitucional foi abrigar em um “quadro em extinção da administração federal” aquelas pessoas que exerceram funções em cargos comissionados num período em que não era possível o acesso ao serviço público que não fosse por esse meio, que sentido faria excluir todas as pessoas que assim estavam nessa condição entre outubro de 1.988 e outubro de 1.993? Daí a advertência de Carlos de Carvalho[3] de que “deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção”.

                        Não sem razão, Carlos Maxmiliano[4], assevera que em Direito Público deve se interpretar de modo estrito, mas, adverte, “esse preceito não pode ser aplicado à risca: o fim para que foi inserto o artigo na lei, sobreleva a tudo. Não se admite interpretação estrita que entrave a realização plena do escopo visado pelo texto. Dentro da letra rigorosa dele procure-se o objetivo da norma suprema; seja este atingido, e será perfeita a exegese”.

                        Deve-se, ademais, fazer do texto da EC 79/14 – ou do texto do art. 31 da Constituição Federal – uma interpretação teleológica, a fim de que se busque e alcance, efetivamente, o propósito do legislador constitucional. Nessa interpretação não se poderia compreender o alcance da EC 79/14 sem buscar sua respectiva série causal, a fonte primária de todo o propósito do legislador constitucional. Por isso, é Carlos Maxmiliano quem novamente adverte, que ao constituir-se o Direito Público “uma ciência normativa ou finalística”, “a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida”[5].

                        E concluiu: “Aplica-se à exegese constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e também o teleológico, assegurada ao último a preponderância(idem, ibidem).

                        Por fim, nesse aspecto e em endosso ao que acima se expôs, se afigura relevante destacar que, na aplicação das normas constitucionais, o intérprete deverá levar em conta uma ampla gama de princípios, dentre os quais o princípio da máxima efetividade ou princípio da eficiência, o qual, segundo a segura lição de Canotilho pode assim ser formulado: “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê” (in Direito Constitucional, ed. Almedina, Coimbra, 1993, p. 227).

                        Feitas essas ponderações e considerações, não se pode deixar de reconhecer que aquele que exerceu função em cargo comissionado mediante decreto governamental, está abrangido pelas expressões “admitidos regularmente” previstas na EC 79/14, art. 31 da Constituição Federal.

4-    Conclusão

                        Qualquer interpretação de caráter restritivo que leve à conclusão de que as pessoas que exerceram função em cargo comissionado no período compreendido entre 05.10.1998 e 05.10.1993 não estão abrangidas pelo EC 79/1, e que deu nova redação ao art. 31 da Constituição Federal, afigura-se equivocada. Assim, considera-se para fins legais como servidor público aquele que exerce função pública, ainda que em cargo comissionado, como de igual modo considera-se admitido regularmente esse mesmo servidor nomeado para cargo comissionado mediante decreto governamental.

                        Trata-se, na espécie, de valer-se da interpretação teleológica da norma, segundo a qual deve ser interpretada em benefício de quem foi editada, ou seja, também das pessoas que exerceram função em cargos comissionados. Aqueles que preenchem esses pressupostos e requisitos no período de 05 de outubro de 1.988 (data da transformação do Território Federal de Roraima em Estado) até 05 de outubro de 1.993 (data legal ou marco temporal da instalação, efetivação e consolidação do Estado de Roraima), têm o direito de integrar “quadro em extinção da administração federal” pela regra do art. 31 da Constituição Federal.

Brasília-DF, 1º de agosto de 2.014.





Pedro Xavier Coelho Sobrinho


           
           



           












[1] O constituinte de 1.988 fez opção pela expressão “servidor público” ao invés de “funcionário público”, como faziam as Constituições anteriores.
[2] Manualle di Diritto Ittaliano, 2ª edição, vol. I, pág. 69, apud Paula Batista
[3] Direito Civil Brasileiro Recopilado, art. 62, § 3º.
[4] Hermenêutica de Aplicação do Direito, 9ª edição, Forense, págs. 313/314.
[5] idem, ibidem, págs. 151/152.