“Só os homens de bem podem
amar vigorosamente a liberdade; os demais amam não a liberdade, mas a licença,
que sob os tiranos gozam de irrestrito alcance e inteira indulgência. Dos maus,
os tiranos raras vezes esperam agressão ou mesmo suspeitam, sendo todos
naturalmente servis” (John
Milton).
Há quatro meses quando o Brasil foi tomado por
movimentos populares exigindo mudanças no tecido institucional do país, não
faltaram vozes “autorizadas” e “especializadas” para dizer que estávamos
iniciando uma nova era, que estávamos vivendo uma revolução. O coro dos
insatisfeitos e indignados denunciava as mazelas do país sedimentadas pela
corrupção que carcomia o dia-a-dia dos brasileiros. E a lista das
reivindicações populares tinha um espectro enorme – ia da insatisfação do
aumento das passagens de ônibus (os tais 20 centavos) ao desperdício do
dinheiro público, gasto, sobretudo, com a construção dos estádios de futebol
para a copa do mundo. Sentindo, num primeiro momento, o baque das reivindicações
o país (entenda, o Governo) “reagiu” suspendendo o aumento das passagens de
ônibus e, na sequência, importando médicos cubanos para suprir a falência do
serviço médico-hospitalar. Não faltou também pela voz autorizada dos
“especialistas” o diagnóstico de que o Brasil estava vivendo uma revolução, e,
todos aqueles que eram alvos das reivindicações populares, afirmando a justeza
dessas postulações.
Foi, em outras palavras, como se o
dono de um imóvel alugado aceitasse de modo cordato as reclamações de seu
inquilino pelo preço abusivo do aluguel que lhe é cobrado; ou como se o dono de
uma banca de verduras aceitasse passivamente a acusação de seu cliente de que
ele lhe estava roubando no preço. A resposta recorrente foi “o povo tem razão”.
Ora, passados quatro meses o que ficou evidente é que além de demonstrar que o
povo brasileiro é como relógio de corda, nada, absolutamente nada resultou da
“voz das ruas”. Em 1.789, por ocasião da tomada da Bastilha pelo povo francês,
um certo duque de Liancourt correu até Luiz XVI para avisá-lo da inssureição
popular que estava ocorrendo e o rei lhe perguntou se se tratava de uma
revolta, pelo que lhe foi respondido: “Sire, não é uma revolta, é uma
revolução”. O resto da história todos devem saber, mas quem quiser saber
mais detalhes desse episódio deve ler A
história da revolução francesa, do inglês Thomas Carlyle, e constatar que o
caso brasileiro terá sido mera e farsesca coincidência.
No Brasil, ao contrário do que
anunciaram os nossos corifeus da ciência política – de modo ingênuo ou
atendendo a interesses inconfessáveis do Governo – tudo não passou de uma
revolta. E pior, uma revolta de caráter pontual, pois nada, absolutamente nada,
aconteceu de bom no Brasil desde então. Mas, sem o esmalte do cinismo e o
confete da hipocrisia, pode-se afirmar que não só nada mudou, como ficou pior.
O caráter autoritário do Governo – entendido em todas as suas esferas legais –
se acentuou e a prestação dos serviços públicos – uma das bandeiras da revolta
– se não piorou, estacionou numa pasmaceira do Governo com seus arremedos de
enganação. O programa “Mais Médicos” que o diga. Cheguei até mesmo a escrever
um artigo nesse sentido para o meu blog, mas como não o publiquei, não me vale
a invocação de pitonisa.
Dois exemplos – de tantos outros - de
autoritarismo estatal evidenciam como o Brasil não avançou absolutamente nada
após as reivindicações populares (vamos chamar assim, ao invés de revolta ou
revolução). A lei do “lixo zero”, posta em prática pelo governo municipal do
Rio de Janeiro e o ressuscitamento da lei de segurança nacional, aplicada por
alguns governos estaduais para enquadrar aqueles remanescentes que saem às ruas
e que promovem atos de desordem pública, são prova disso. No primeiro caso,
quem jogar o que quer que seja nas ruas do Rio de Janeiro, leva uma multa.
Insurgindo-se contra a punição administrativa ou se recusando a dar sua
identificação a pessoa é levada coerciva e compulsoriamente para uma delegacia
de polícia. O que escandaliza não é o fato de a prefeitura do Rio criar uma lei
punindo aqueles que sujam a cidade; o que escandaliza é alguém ser conduzido a
uma delegacia de polícia sem ter cometido qualquer crime tal como deve ser
entendido esse conceito, mesmo porque a tipificação de condutas tidas por crime
só pode ser criada por lei federal. Há pouco mais de uma semana uma faxineira
foi conduzida à delegacia de polícia por fiscais do “lixo zero” por ter
cometido o “crime” de jogar um papel de bala na rua.
O outro exemplo da veia autoritária
do Governo é “reanimar” a lei de segurança nacional, pois ressuscitá-la,
segundo disse um “especialista” em direito penal, é incorreto, já que ela nunca
esteve morta ou deixou de existir. Sim, ela não esteve morta, mas pertence a um
tempo em que o seu corpo não convive – ou deveria conviver – com o espírito do
nosso tempo. Sob o pretexto de que as depredações de um bando de baderneiros (e
sabe-se lá, a soldo de quem eles estão, quem advinha?), o Governo usa da sua
força não para dispersar esses arruaceiros, mas para inibir quem quer que ponha
a cabeça na rua para gritar contra os abusos do Estado. Essa receita é antiga e
Montesquieu já a denunciava quando dizia que a pior das ditaduras é aquela que
vem amparada pela bandeira da democracia e o suporte das leis formais.
Na contramão dessas evidências – ou
não seria de mãos dadas? – o país recrudesce econômica e culturalmente.
Primeiro com o anúncio de que a Petrobrás caiu no ranking das grandes empresas do mundo em eficiência e
lucratividade. Logo ela, um monopólio estatal que não tem concorrentes e que
impõe os seus preços como bem quer ao povo brasileiro. Como é possível não se
ter concorrentes, vender uma das gasolinas mais caras do mundo ao seu povo e,
ainda, ser deficitária? Na pergunta, por óbvio, encontra-se a resposta a essa
indagação.
Por outro lado, a Universidade de São Paulo,
até então uma de nossas ilhas de excelência na educação perdeu sua posição
entre as 200 universidades do planeta. E a explicação para essa queda, segundo
o luminar da educação brasileira, o ministro da Educação, Aluísio Mercadante,
se deu porque a USP excluiu da sua grade curricular o ensino do inglês. Isso
seria cômico se não fosse trágico – ou se não fosse uma dessas muitas mentiras governamentais
escamoteadas pelo duplipensar que
George Orwell denunciou no discurso dos regimes totalitários. Ainda que essa
afirmação não seja verdade, no entanto, ela revela e deixa a todos perplexos, saber
como é possível retirar da grade curricular de uma prestigiosa universidade,
como a USP, o ensino do inglês. Tal justificativa só pode ser por questões
ideológico-partidárias, pois num mundo globalizado em que as transações
comerciais mundiais se dão na língua inglesa e as grandes publicações
acadêmicas e científicas são publicadas na língua de Shakespeare, é um
retrocesso – para não dizer burrice, estupidez – a supressão do ensino do
inglês.
A “presidenta” Dilma, como ela gosta que lhe
chamem os seus lacaios e bajuladores, disse por ocasião da eleição do papa
Francisco que sua santidade era argentino, mas que Deus era brasileiro. Não,
“presidenta”, Deus eu não sei se é brasileiro, mas o Diabo, eu tenho certeza,
como disse certa vez o escritor Antonio Callado. Aonde foi parar o Brasil? A
lugar nenhum!