“Só os déspotas
ineptos servem-se das baionetas; a arte da tirania está em fazer as mesmas
coisas através dos juízes” (Tácito).
A imprensa vem publicando com
recorrência o desgaste que o julgamento do “mensalão” está causando à imagem do
PT e seus candidatos nestas eleições. E de tabela, segundo a mesma imprensa, à
imagem de Lula. Desgaste do PT, vírgula. Desgaste do grupo de Lula, Dirceu e
sua patota; isso sim, parece claro, a ruptura dos interesses intestinos do PT.
Lula, como todo populista que se
preze, se coloca muito acima daquilo que a realidade efetivamente lhe confere.
Cheio de arrogância ao deixar a presidência com a eleição do “poste” Dilma,
impôs várias indicações no ministério da nova presidente e achou que iria das
cartas do jogo como queria na sua administração. Ao mesmo tempo disse que na
sua ociosidade iria se dedicar à demonstração de que o “mensalão” nunca
existiu, que foi uma farsa. Com certeza foi uma farsa, pois o projeto de
comprar o Congresso, se não gorou, saiu pela metade e rendeu ao PT um processo
no STF das dimensões jurídicas e políticas que estamos assistindo. Tivesse ele
a preocupação, para não dizer inteligência, em relação à formatação do Supremo,
e a clarividência de que quem não possui mais a caneta e o Diário Oficial vale
um pouco mais que um fumo mascado, não estaria, agora, vivendo a agonia que
sentem os condenados à forca.
Lula, que se julga mais realista que
o rei e mais sábio que a sabedoria, deveria saber que os obstáculos ao seu
retorno à presidência, mais do que o seu câncer ou mesmo a oposição, residem
entre de seus próprios aliados. Mas, sua bazófia de líder político que está
acima do bem e do mal, demonstra-lhe o que ele ainda não enxergou: que Dilma e
o grupo que está com ela no governo não estão a fim de – gratuitamente –
devolver-lhe o poder e ao seu grupo. E por que fariam isso? E em homenagem a
quem e a quê? Ninguém em política, desde que o mundo é mundo, faz isso. Um
amigo meu já disse com sua verve de filósofo popular: sabedoria demais
atrapalha a felicidade. Essa sabedoria lulista vai abreviar seu obituário
político.
Nesse contexto Dilma e sua turma (ainda
que digam que ela manda sozinha, o que não é verdade) de modo sutil vêm
promovendo a defenestração da repartição lulista do PT e seu chefe maior. De
forma dissimulada, ainda que para o distinto público o discurso seja de união
do partido, Dilma e seus aliados fabricaram, via mídia, alguns escândalos de
corrupção envolvendo nomes indicados por Lula nos ministérios e em alguns
órgãos do segundo escalão do governo federal no começo de sua gestão, ao mesmo
tempo em que foi sendo moldada a imagem do estilo “sóbrio e contido” da
“presidenta”. Na contramão – ou na mão – da desconstrução do bufão Lula, ele
mesmo fez e vem fazendo a sua parte ao dar uma mãozinha na sua derrocada.
Julgando-se um demiurgo político, impôs alguns “postes” como candidatos nestas
eleições municipais – à revelia do bom senso e do pragmatismo partidário - para
provar que ele é o “cara”. Mas, o tiro está saindo pela culatra, pois em São
Paulo, para ficar só num exemplo, salvo um revés inesperado, sua criatura,
Hadad, não deve ir nem para o segundo turno.
Mas o golpe de misericórdia está
vindo, não dessas trapalhadas político-partidárias, mas de seu próprio ninho e da
falta de visão que um político minimamente intelectualizado ou instruído não
cometeria, ou que, se tivesse lido pelo menos as notas de rodapé de Maquiavel,
Tancredo Neves ou Carlos Lacerda, assim não agiria. Lula não deu a devida
importância à composição do Supremo Tribunal Federal, tribunal que na sua
gestão pôde nomear oito integrantes. Se o seu projeto e o de sua turma era
ficar um bom tempo no poder, Lula deveria ter tratado o STF com mais seriedade
e pragmatismo nas suas nomeações. Mas não. Preferiu o oba-oba, as nomeações de
cunho demagógico – como a necessidade de um negro e uma parcela de mulheres na
sua composição – e o resultado está aí. Fumo! Joaquim Barbosa, assim como
alguns de seus nomeados não estão nem aí para ele e estão condenando em série,
mais do que os réus, a aura de intocabilidade de Lula. Tivesse ele mais
sagacidade, teria percebido que a ministra nomeada por Dilma, Rosa Weber, foi
indicação de Tarso Genro (aquele mesmo que quis refundir o PT na crise inicial
do “mensalão”) e que é inimigo figadal de José Dirceu. Rosa Weber, após relator
e revisor, foi a primeira a votar contra os mensaleiros do PT, desencadeando a
“conspiração das elites”. Lula, nessa esteira de burrices próprias dos
pretensiosos, ainda se deu ao luxo de não nomear o sucessor de Eros Grau,
deixando para Dilma a nomeação de Luiz Fux. Teori Albino Zavascki, o próximo
ministro de Dilma, vem dos pampas.
Se estamos a assistir ao nascimento
de uma nova república petista, a dos pampas, em oposição à da seção de São
Paulo, só o tempo dirá.
O que é evidente – e isso é certo –
é que a turma de Dilma percebeu que cedo ou tarde a questão da sua sucessão
levaria – ou levará - a um confronto com Lula (que nega, mas está doidinho para
ser presidente novamente) e sua turma. A receita para tirar o “grande líder” do
caminho está passando pelo Judiciário que, além de estar impondo condenações à
sua patota, ao mesmo tempo impinge-lhe uma desmoralização pública, pois para
quem dizia que o “mensalão” era uma lenda, agora, tem que ficar caladinho. Lula
se esquece que por mais que se tenha popularidade, essa vale para a plebe rude;
aqueles que detêm uma parcela de poder, como os integrantes do STF (exceção a
Tófoli e Lewandowski), preferem e devotam reverência àquele que tem o poder nas
mãos (o exemplo de Getúlio Vargas não mostrou isso aos “teóricos” do lulismo?).
Esse filme já passou na antiga União
Soviética, quando Stalin e Trotski lutavam pelo poder e se repete em versão
remasterizada no bolchevismo tupiniquim. Lula, se tivesse aquele mínimo de
alfabetização de que ele tanto tripudiou e debochou, saberia daquela
advertência de Tácito que, dizem, foi lido por Maquiavel: “Só os déspotas ineptos servem-se das
baionetas; a arte da tirania está em fazer as mesmas coisas através dos
juízes”.