sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

DA IMPROPRIEDADE DA EXPRESSÃO APREENSÃO USADA PELA LEI PARA SE REFERIR À RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DE ADOLESCENTE

Como se vê da lei – Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.069/90 – o legislador na falta de uma expressão que melhor correspondesse à restrição da liberdade do adolescente, optou pela expressão apreensão. Esse substantivo, verdadeiro eufemismo para designar prisão, é citado, por exemplo, no parágrafo único do art. 106 e art. 107 do ECA, para designar a restrição da liberdade do adolescente quando ele comete um certo “ato infracional”.

            Não gosto da expressão e creio que ela não tenha uma correlação correta com o significado gramatical e filológico que se procurou buscar na lei.

            Para substituir a expressão crime por infração, o legislador andou melhor; para designar apreensão por prisão, no entanto, esse vocábulo não guarda correspondência mais apropriada para o ato de restringir a liberdade de uma pessoa adolescente. Convenhamos, na medida em que conhecemos a língua portuguesa, não só não soa bem ouvirmos a expressão “o menor foi apreendido”, como os dicionários não amparam a opção que foi feita pelo legislador nesse sentido.

            Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, versão eletrônica, o verbo transitivo direto apreender, no sentido que nos interessa, significa fazer apreensão de; apanhar, pegar. E, no mesmo dicionário, significa “tomar posse por direito; confiscar”. E traz um exemplo para esse último significado: “a polícia apreendeu o contrabando de cocaína; a bens”. Já o Aurélio diz que apreender é “apropriar-se judicialmente de”, indicando como exemplo àquele semelhante de seu homólogo Houaiss: “A polícia apreendeu o contrabando” (grifo no original).

            Fica claro pela melhor exegese vernacular que a expressão “apreensão” para se referir à constrição da liberdade do adolescente não é a mais apropriada, pois a palavra se refere a algo que não guarda correlação com gente. Assim, terminológica e juridicamente falando, é inapropriada essa expressão pois ela se refere claramente ao ato de reter coisa, animal, objeto, e não gente. E, como se infere do ECA, o legislador que teve a maior preocupação com o menor e o adolescente, sempre fazendo menção de respeitar seus direitos, peca ao dizer que quando ocorrer circunstância de ato infracional, deverá ser feita a sua apreensão.

            Já disse certo pensador francês que não me recordo o nome, que a língua é o mais perigoso dos encantos e, digo eu, quando encanta, dá margem a toda tipo de interpretação.

            Vai aqui um convite aos filólogos e gramáticos para indicar uma palavra que melhor se adéqüe e corresponda ao ato de suprimir a liberdade do adolescente, que não aquela de muito mau gosto adotada pelo legislador da Lei 8.069/90 . E que se mude a lei. E a linguagem.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

BIN LADEN MORREU?

Não é com argumentos racionais que se sublevam as multidões. Por meio de crenças elas sempre serão dominadas” (Gustave Le Bon).

tempos queria escrever um artigo sobre Bin Laden. Mas como fui tomado pela notícia de sua morte, resolvi que não deveria mais adiá-lo. Por que queria escrever? Porque nunca acreditei que Bin Laden existisse ou, se existiu, sua existência foi ou é alimentada pela política antiterror dos Estados Unidos. Mas, podem indagar, quem sou eu para falar de política externa e, sobretudo, da política externa dos Estados Unidos? Não sou nada, nem analista político, internacional, militar, nada. que ainda não perdi a capacidade de pensar. E, tendo em mãos um livro defendendo o que afirmo, os que o leram ou lerem poderão me dar razão no que estou afirmando.

1984 de George Orwell é um livro que deve ser lido para que possa ser entendido o que estou dizendo. Na obraum personagem central, mítico, abstrato, onipresente, sólido e volátil, tudo ao mesmo tempo: o Grande Irmão ou Big Brother para aqueles mais afeitos ao programa televisivo global do mesmo nome. O Grande Irmão está em todos os lugares ao mesmo tempo e o tempo todo. Sua antítese ou seu contraponto é Emanuel Goldstein: um personagem que, como Grande Irmão, é mítico, onipresente, sólido, volátil e abstrato. Ninguém, porém, os , que o primeiro encarna o “bem” e o segundomal”. Assim mesmo, entre aspas. Do que estamos falando nestas linhas um é Bin Laden, o “mal”, e o outro os Estados Unidos, o “bem”.

O livro de Orwell, escrito em 1.948 pouco antes de sua morte, ainda que possa sugerir um anagrama numeral para o título da obra, retratou a era stalinista dos anos 30 e 40 do século passado. Um estado policial que controlava a vida das pessoas ininterruptamente, inclusive a sua privacidade.

A obra de Orwell, mais atual que nunca, retrata ainda como o Estado por ele previsto manobra e manipula a sociedade, impondo um absurdo maniqueísmo. Assim, durante quase dez anos, depois do 11 de setembro de 2.001, Bin Laden foi o inimigo público nº 1 dos Estados Unidos: o governo americano alimentou no consciente coletivo de seu povo o ódio a um personagem que ninguém sabia onde estava, o que fazia, onde morava. Apenas um rótulo: o responsável pelo atentado do 11 de setembro. O bem contra o mal.

Essa receita - identificada na Rússia stalinista por Orwell -, entretanto, vem sendo usada com eficácia de tempos em tempos na história da humanidade, bastando dar como exemplo o que Goebells fez na Alemanha nazista, quando conseguiu através de uma propaganda maciça convencer um povo culto como o alemão de que os judeus eram a essência do mal.

Não nego a existência do terror de fanáticos mulçumanos - e de tantos outros povos oprimidos e/ou subjugados ou não. Eles existem e são bem reais. Mas não podemos generalizar. Em nome dessa doutrina do grande irmão, entretanto, suprimiram-se liberdades individuais nos Estados Unidos como a criação do Patriotic Act e perpetraram-se infindáveis violações de direitos humanos em Guantanamo e Abu Ghrabi. Isso em um país com tradição secular democrática que refulgiu seus postulados ao mundo ocidental contemporâneo. Porém, com base numa afirmação de que Bin Laden era uma ameaça real a tudo a que a América havia conquistado, conseguiram impor esse engodo que, até onde se sabe, serviu como explicação justificar a manutenção e expansão da indústria bélica norte-americana.

Balela!  Qualquer sociedade dita democrática consegue se impor a qualquer semente e prática de fanatismo terrorista. Os EUA tinham, como têm, meios para conter essa onda de terrorismo por meios legais e tecnológicos. Mas não. Depois de supostamente ter perseguido por quase dez anos Bin Laden sem encontrá-lo (como se fosse possível alguém se esconder em mundo tão pequeno e tecnologizado), eis que anunciam que o inimigo público nº 1 da América está morto.

Está? Isso pouco importa. O que importa é que continue haver um constante estado de guerra que se diz haver no anunciado herdeiro e sucessor de Bin Laden - um tal médico egípcio Aiman não-sei-o-que - que irá continuar a cruzada terrorista contra os povos livres e civilizados do ocidente. Em um trecho de 1984, um integrante do Partido do Grande Irmão diz como devem ser os seus membros (que devem ser traduzidos como o povo): um fanático crédulo e ignorante, cujas reações principais sejam medo, ódio, adulação e triunfo orgiástico. Em outras palavras, é necessário que tenha a mentalidade apropriada ao estado de guerra e, como não é possível uma vitória decisiva, pouco importa que a guerrabem ou mal. O que importa é que possa existir o estado de guerra.

O anúncio da secretária de estado Hillary Clinton de que a morte de Bin Laden não põe fim à guerra ao terrorismo e a catarse (“triunfo orgiástico”) do povo americano que se regozijava em frente à Casa Branca comemorando a morte de seu inimigo público nº 1, não poderiam tornar mais proféticas, verdadeiras e atuais as palavras de George Orwell de que estamos - e sempre estivemos - ainda, vivendo num mundo de engodos e mentiras.

Some-se a isso as circunstâncias obscuras de sua morte, quando não se mostra o seu corpo ou mesmo uma fotografia, um exame de DNA que ninguém sabe quando e como foi feito para comprovar a identidade do Bin Laden, e, aliado ao anúncio de que seu corpo foi jogado ao mar, alimenta-se, propositadamente, a crença nos crédulos que sua alma guiará outros fanáticos da qual a América precisará se proteger. “A mentalidade apropriada ao estado de guerra”.

Leiam 1984, conheçam o seu Ministério da Verdade e terão certeza que estamos vivendo 1984.